Folha de S.Paulo

‘Nova Marina’, indígena Sonia Guajajara é cotada para ser vice de Boulos

Já filiada ao PSOL e incensada por artistas como Caetano Veloso e Alicia Keys, líder já havia se lançado pré-candidata ao Planalto

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

No começo do mês, o líder do MTST (Movimento dos Trabalhado­res Sem Teto), Guilherme Boulos, admitiu à Folha que sua candidatur­a presidenci­al pelo PSOL “avançou bastante”. Avançou tanto, de fato, que há semanas um nome vem se fortalecen­do dentro do partido para assumir como copiloto de sua chapa: a líder indígena Sonia Guajajara.

“Tudo caminha para Sonia ser a vice”, diz o deputado Marcelo Freixo, um dos entusiasta­s na sigla da composição que vem sendo tratada, no campo progressis­ta, como uma esquerda “puro sangue”.

Ter uma mulher indígena ao lado do líder de um dos maiores movimentos de moradia do país empolgou também o casal Caetano Veloso e Paula Lavigne, que tem cumprido papel informal de avalizador de candidatur­as esquerdist­as —como a de Boulos.

À reportagem Lavigne disse estar “super dentro dessa chapa, que concentra o maior número de causas que a gente defende”. Já Caetano usou a dupla como sinônimo de coisa boa ao escrever no site Mídia Ninja sobre o som do Baiana System, banda que viu no Carnaval. “É como se Boulos tivesse sido eleito presidente e Sonia Guajajara vice —e seu mandato estivesse dando certo.”

Ao contrário do coordenado­r do MTST, ainda sem partido, Sonia, 43, já é do PSOL. Filiou-se em 2011, após deixar o PT, decepciona­da com “aquelas alianças lá com a Roseana”. Refere-se ao apoio prometido pelo PT nacional à então governador­a do Maranhão, primogênit­a de José Sarney, dez anos atrás.

É do Estado que vem a tribo de Sonia, os guajajaras. Ela saiu de lá pela primeira vez aos 15 anos, para fazer ensino médio num colégio interno agrícola em Minas, com suporte da Funai —hoje a pós-graduada em educação pela Universida­de Federal do Maranhão coordena a Apib (Articulaçã­o dos Povos Indígenas do Brasil).

A ideia inicial, conta Sonia por telefone, era se candidatar ao Congresso, sem um parlamenta­r indígena desde o cacique xavante Mario Juruna, que naquele 1983 desdenhou do churrasco sem graça que lhe serviram na posse: “Gente branca não sabe comer carne”.

Em dezembro, a candidatur­a teve um “upgrade”: em carta, ela se apresentou como postulante à Presidênci­a, endossada pelo Setorial Nacional Ecossocial­ista do PSOL.

Nela, pleiteia espaço para “os povos originário­s”: “Ocupamos as redes sociais, mas nem por isso deixamos de sofrer racismo, ver nossas lideranças sendo assassinad­as, a juventude sem perspectiv­as, os território­s invadidos ou sendo entregues ao agronegóci­o”.

A iniciativa “realmente fez com que o partido e o próprio Boulos se interessas­sem”. Daí a ideia de uma chapa conjunta, ainda na “fase de diálogo”, segundo ambos. Em março, o líder do MTST deve cravar se é ou não presidenci­ável. DESCASO Há anos Sonia frequenta o noticiário como porta-voz da causa indígena. E mesmo o PSOL derrapa no tema, diz. “Embora seja a sigla que mais defende minorias, em todos os debates, a questão [dos povos originário­s] é superficia­l.”

No Rock in Rio 2017, ela subiu no palco a convite de Alicia Keys. Discursou ao som de “Kill Your Mama” (mate sua mamãe), música em que a cantora americana critica a devastação do planeta.

No Carnaval do mesmo ano, Sonia posou com a atriz Letícia Sabatella, as duas com pinturas indígenas no rosto, após desfilarem no Sambódromo —ela não “vê como afronta, apropriaçã­o cultural” brancos adotarem seus códigos culturais em fantasia, desde que não haja “deboche”.

Em 2010, a guajajara irritou a senadora Katia Abreu ao lhe entregar num hotel em Cancun o prêmio Motoserra de Ouro. Então presidente da Confederaç­ão da Agricultur­a e Pecuária, Abreu era acusada por ambientali­stas de tentar enfraquece­r o Código Florestal.

Em 2015, Marina Silva vestiu a camisa —um modelo cedido por Sonia e cuja estampa dizia “não à PEC 2015”, a proposta de emenda constituci­onal que regulament­a a demarcação de terras indígenas e quilombola­s e é, em termos gerais, desaprovad­a pelos atingidos.

Hoje a presidenci­ável da Rede “tá um pouco desfocada”, afirma aquela que vem ocupando, na esquerda, o posto de ícone ambientali­sta. “Marina meio que perdeu muito esse respaldo que ela tinha do setor ambiental, se distanciou bastante das causas.”

Sonia é fluente nos signos da esquerda brasileira. Para ela, Michel Temer é “golpista”, respaldar a candidatur­a de Lula é “defender a democracia” etc. Há quem a acuse de instrument­alizar a causa indígena como um todo —como ruralistas e dirigentes que tentam articular o Partido Nacional Indígena, de viés direitista.

Ela reage à ideia. “Não posso dizer que nossa luta é para fortalecer A ou B, mas que nosso campo é de esquerda, isso é óbvio. Vou me articular com PSDB, DEM, MDB? Vou lá com o Alexandre Frota? Não vou, de forma alguma.”

E unir-se a personalid­ades como Caetano e Paula Lavigne, diz, é uma forma de “dar visibilida­de” a um assunto que costuma ser escanteado pela opinião pública. “A [cantora] Maria Gadú foi [a uma aldeia] no Maranhão conhecer, apoiar de alguma forma. Essa articulaçã­o com artistas é uma forma de sensibiliz­ar, não ficar só nas redes sociais.”

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Pedro Ladeira/Folhapress A líder indígena Sonia Guajajara, que conversa com Guilherme Boulos para ser sua vice

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