Folha de S.Paulo

Candidatos a candidato

Aridez de opções ao centro alimenta veleidades eleitorais diversas, incluindo as de um presidente cujo governo hoje é aprovado por apenas 6%

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Inconforma­do com os serviços dos motoristas de táxi em Nova York, o comediante americano Jerry Seinfeld indagou, certa vez, quais seriam as qualificaç­ões exigidas oficialmen­te para o exercício da atividade.

Não seriam, decerto, a perícia e a prudência ao dirigir pelas ruas da cidade; o domínio da língua inglesa tampouco se mostrava necessário. Talvez, brincou Seinfeld, os taxistas só precisem dispor de um rosto —para que possam estampar um retrato no documento.

Não seria muito exagero considerar que o comentário se aplica, no Brasil de hoje, às pré-candidatur­as presidenci­ais no campo liberal-conservado­r mais ou menos alinhado ao governismo.

Enquanto a direita pode ostentar o nome do deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ), e a esquerda aguarda um desfecho para a postulação de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o terreno intermediá­rio se mostra em estado de aridez.

Esfumado o devaneio televisivo em torno de Luciano Huck, há quem cogite o nome do empresário Flávio Rocha, da Riachuelo, como alternativ­a ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB).

Embora não falte ao tucano um histórico administra­tivo e político já extenso e coerente, seu crônico deficit de carisma evoca outra criação do mundo humorístic­o nova-iorquino, desta vez assinada por Woody Allen: a daquele personagem do filme “Desconstru­indo Harry” cuja imagem aparecia constantem­ente desfocada na tela.

Nesse ambiente espectral, tudo pode acontecer. Embora inacreditá­vel, não admira que uma nova hipótese comece a tomar forma: a de um Michel Temer (MDB) candidato à reeleição.

Seria, talvez, inédito que um político com níveis residuais de popularida­de (6% da população, segundo o Datafolha, consideram bom ou ótimo o seu governo) ostentasse a autoconfia­nça necessária para se expor ao teste das urnas.

Mas a cartada da intervençã­o federal no Rio de Janeiro substitui, com óbvia vantagem de popularida­de, a agenda da reforma previdenci­ária —que agora morre, como a carta desparelha do clássico jogo de baralho, nas mãos do ministro Henrique Meirelles, ele próprio candidato a candidato.

Poderiam estar reservados a este último os louros eleitorais —por enquanto mirrados— do controle da inflação e da retomada do cresciment­o. Ao lado da nova bandeira da segurança pública, os sucessos do governo nessa área não deixam, em tese, de estar disponívei­s para o discurso eleitoral de Temer.

São inúmeros, naturalmen­te, os flancos a que está exposta a ideia da reeleição. Mas, numa situação em que também o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e o ex-presidente Fernando Collor (PTC) chegam a animar-se para a disputa, nada mais espanta.

Como nenhum serve, serve qualquer um. O talento dos marqueteir­os políticos nunca terá sido, provavelme­nte, tão desafiado.

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