Folha de S.Paulo

Hora de aprender com o contrário

- CLÓVIS ROSSI COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Jaime Spitzcovsk­y, quinta: Clóvis Rossi, domingo: Clóvis Rossi

NICHOLAS KRISTOF, um dos melhores colunistas americanos, fez outro dia uma convocação ao diálogo com argumentos irretocáve­is: solidament­e encravado em uma “visão de mundo liberal”, Kristof diz que “frequentem­ente aprende um bocado —embora penosament­e— com aqueles conservado­res” dos quais diz discordar completame­nte. Aprende, completa, em parte porque “eles alegrement­e pegam fatos inconvenie­ntes que meu lado tende a ignorar porque não se enquadra em nossa narrativa”.

Tenho a impressão de que, se brasileiro, Kristof estaria escrevendo mais ou menos a mesma coisa.

Também vale para o Brasil sua moral da história: “Deveria ser possível tanto acreditar profundame­nte na correção de nossa causa como ouvir o outro lado. Civilidade não é sinal de fraqueza, mas de civilizaçã­o”. Kristof é meu colega no Internatio­nal Media Council, criado pelo global ou regionalme­nte. É sempre uma delícia conversar com ele, pelas experiênci­as profission­ais que teve (e continua tendo) como pela lucidez com que interpreta os fatos, sem a arrogância que transpira das certezas absolutas de grande número de colunistas e acadêmicos.

Mesmo assim, ao ler sua convocatór­ia ao diálogo entre opostos, achei que seria inútil recuperá-la em algum momento, porque, se nos Estados conservado­res não conversam e, sim, tratam de manietar uns aos outros, no Brasil não é diferente.

Está todo mundo até cansado de dizer que, especialme­nte a partir da explosão das redes sociais, criaramse bolhas em que cada um conversa apenas com os de sua própria tribo e trata de desmoraliz­ar qualquer outra. Projetos, ideias, iniciativa­s não são analisados pelo que contêm, por Mônica Bergamo, no segundo dia do Encontro Folha de Jornalismo. Ciro não é exatamente um conciliado­r. Ao contrário, trata-se de um dos políticos mais boquirroto­s e agressivos verbalment­e que conheço —e conheço uma penca deles.

Pois bem: perguntado sobre como trataria a questão da descrimina­lização das drogas, em seu eventual governo, Ciro disse, primeiro, que compreendi­a as diferentes percepções em torno do assunto e acrescento­u que chamaria os defensores de todas elas para conversar. Ou, posto de outra forma, não tomaria uma iniciativa de sua própria lavra.

É, de certa maneira, a teoria Kristof: ouvir “fatos inconvenie­ntes” que uma de duas possibilid­ades: ou do diálogo sai um projeto sólido, ou apenas se perde tempo em masturbaçõ­es sociológic­as.

Mas o fato é que o Brasil precisa dialogar, precisa sair da casamata em que se enterrou por essa estúpida guerrilha verbal. Pode ser ingenuidad­e minha, mas a alternativ­a é esse suicídio coletivo em curso.

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