Hora de aprender com o contrário
NICHOLAS KRISTOF, um dos melhores colunistas americanos, fez outro dia uma convocação ao diálogo com argumentos irretocáveis: solidamente encravado em uma “visão de mundo liberal”, Kristof diz que “frequentemente aprende um bocado —embora penosamente— com aqueles conservadores” dos quais diz discordar completamente. Aprende, completa, em parte porque “eles alegremente pegam fatos inconvenientes que meu lado tende a ignorar porque não se enquadra em nossa narrativa”.
Tenho a impressão de que, se brasileiro, Kristof estaria escrevendo mais ou menos a mesma coisa.
Também vale para o Brasil sua moral da história: “Deveria ser possível tanto acreditar profundamente na correção de nossa causa como ouvir o outro lado. Civilidade não é sinal de fraqueza, mas de civilização”. Kristof é meu colega no International Media Council, criado pelo global ou regionalmente. É sempre uma delícia conversar com ele, pelas experiências profissionais que teve (e continua tendo) como pela lucidez com que interpreta os fatos, sem a arrogância que transpira das certezas absolutas de grande número de colunistas e acadêmicos.
Mesmo assim, ao ler sua convocatória ao diálogo entre opostos, achei que seria inútil recuperá-la em algum momento, porque, se nos Estados conservadores não conversam e, sim, tratam de manietar uns aos outros, no Brasil não é diferente.
Está todo mundo até cansado de dizer que, especialmente a partir da explosão das redes sociais, criaramse bolhas em que cada um conversa apenas com os de sua própria tribo e trata de desmoralizar qualquer outra. Projetos, ideias, iniciativas não são analisados pelo que contêm, por Mônica Bergamo, no segundo dia do Encontro Folha de Jornalismo. Ciro não é exatamente um conciliador. Ao contrário, trata-se de um dos políticos mais boquirrotos e agressivos verbalmente que conheço —e conheço uma penca deles.
Pois bem: perguntado sobre como trataria a questão da descriminalização das drogas, em seu eventual governo, Ciro disse, primeiro, que compreendia as diferentes percepções em torno do assunto e acrescentou que chamaria os defensores de todas elas para conversar. Ou, posto de outra forma, não tomaria uma iniciativa de sua própria lavra.
É, de certa maneira, a teoria Kristof: ouvir “fatos inconvenientes” que uma de duas possibilidades: ou do diálogo sai um projeto sólido, ou apenas se perde tempo em masturbações sociológicas.
Mas o fato é que o Brasil precisa dialogar, precisa sair da casamata em que se enterrou por essa estúpida guerrilha verbal. Pode ser ingenuidade minha, mas a alternativa é esse suicídio coletivo em curso.