Folha de S.Paulo

Rio tem violência espalhada e mais ‘visível’

Série de meandros faz com que a sensação de inseguranç­a ganhe grandes proporções na capital fluminense

- LUIZA FRANCO JOÃO PEDRO PITOMBO

Agravam o medo os constantes bloqueios das vias expressas nas quais trafega a grande maioria dos moradores

Vitor Campos, 23, Alisson Caíque, 21, e Tiago Souza, 19, foram mortos a tiros na terçafeira (20) após uma incursão da polícia na comunidade em que moravam. Um dia depois, Uibirá Barbosa, 33, foi atingido com um tiro no peito em um assalto. Policial, ele foi reconhecid­o pelos bandidos antes de qualquer reação.

Ambos os casos não acontecera­m no Rio de Janeiro, onde o governo federal decretou intervençã­o na segurança pública, mas em Salvador. Casos assim são rotina na maioria das capitais brasileira­s e levantam questionam­entos: o que justifica a intervençã­o federal no Rio? A violência é maior do que nas demais capitais? A situação é tão ruim quanto parece?

Para a última pergunta, o intervento­r federal, general do Exército Walter Braga Netto, tem a resposta. Questionad­o se o cenário no Rio está muito ruim, o general negou, balançando o dedo indicador da mão direita, e emendou: “Muita mídia”. Dados do anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, em parte, o general tem razão.

O Rio é a capital com maior número absoluto de crimes violentos do Brasil —foram 1.446 assassinat­os em 2016. Proporcion­almente, contudo, a capital fluminense tem uma taxa de 22,6 mortes por 100 mil habitantes. É a 21ª capital em taxa de crimes violentos.

A mesma taxa é três vezes maior em Aracaju. Com 66,7 mortes violentas para 100 mil habitantes, a capital sergipana é a que possui a maior proporção de crimes violentos intenciona­is letais, seguida de Belém, Rio Branco e Macapá.

Mas os dados frios do número de assassinat­os e da sua proporção em relação ao nú- mero de habitantes escondem uma série de meandros que fazem com que a sensação de inseguranç­a ganhe grandes proporções no Rio.

A Folha ouviu especialis­tas e levantou um mapa dos crimes violentos no Rio, Salvador, São Paulo e Fortaleza — as capitais brasileira­s com mais assassinat­os em números absolutos em 2016.

Os mapas revelam um padrão de assassinat­os concentrad­os nas regiões mais pobres dessas capitais. No Rio e em Salvador, porém, é maior o abismo entre regiões mais ricas e mais pobres da cidade.

Em Salvador, três das 16 áreas integradas de segurança —Periperi, Tancredo Neves e Cajazeiras —concentram mais de 40% dos 688 assassinat­os do 1º semestre de 2017.

No Rio não é muito diferente: seis de 42 regiões têm 40% dos homicídios, o que inclui áreas como Campo Grande, Santa Cruz, Bangu e Realengo, na zona oeste, e Pavuna, na zona norte da cidade.

As mortes nessas regiões, contudo, não ganham a mesma dimensão midiática e de movimentaç­ão do aparelho do Estado de um caso semelhante na área central, resultado de uma “invisibili­dade” da população da periferia.

“Vivemos em comunidade­s racialment­e apartadas”, diz Hamilton Borges, do movimento “Reaja ou será Morto”, da Bahia. TIROTEIOS Se as mortes nas periferias não ganham a devida visibilida­de, uma simples troca de tiros sem vítimas numa região central tem potencial explosivo na sensação de inseguranç­a. E é justamente neste quesito que o Rio se diferencia das demais capitais.

A geografia acidentada na qual bairros turísticos convivem lado a lado de bairros violentos, além dos constantes fechamento­s das vias expressas na qual trafega a grande maioria dos moradores, agravam a sensação de inseguranç­a, dizem especialis­tas.

Dados da plataforma Fogo Cruzado, da Anistia Internacio­nal, que mapeia de forma colaborati­va a violência armada na região metropolit­ana do Rio, mostram que houve 688 tiroteios ou disparos de arma de fogo em janeiro deste ano. Em média, foram 22 por dia, mais do que a média de 2017, que foi de 16 por dia.

Os três lugares com mais registros foram Cidade de Deus, Rocinha e Tijuca. A Cidade de Deus fica à beira da Linha Amarela, uma das principais vias expressas da cidade. No início de fevereiro, a via foi fechada em dois dias seguidos devido a tiroteios.

A favela da Rocinha, a maior do Rio, fica em um morro entre Gávea e São Conrado, bairros de classe alta da zona sul, e à beira de outra via expressa importante, a autoestrad­a Lagoa-Barra, principal rota de ligação entre as zonas sul e oeste da cidade. A autoestrad­a também teve que ser fechada, em setembro de 2017, devido a confrontos.

Já a Linha Vermelha, por onde passa quem vai do aeroporto internacio­nal para o centro e a zona sul, é margeada pelo Complexo da Maré, onde operações policiais levam pânico a moradores e não raro fecham a via.

Em cidades como São Paulo e Salvador, por outro lado, não há registros recentes de bloqueio de avenidas troncais por causa de tiroteios ou operações policiais.

O “fator mídia” também influencia a sensação de inseguranç­a. Ex-capital e maior destino turístico do país, o Rio é uma espécie de vitrine do Brasil e tem os holofotes voltados pra si. A cidade é sede da principal emissora de televisão do país, a Rede Globo. FACÇÕES Na dinâmica do crime no Rio, ganha força a luta por território­s. Três facções – Comando Vermelho, a maior, Terceiro Comando Puro e Amigos dos Amigos –, disputam áreas da cidade. Soma-se a isso a atuação da milícia, que muitas vezes tenta tomar o controle territoria­l do tráfico de drogas, especialme­nte na zona oeste da cidade.

Para Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a disputa entre as facções faz com que o confronto no Rio seja mais visível, com armamento pesado sendo mostrado de forma mais ostensiva. “Não que nos outros Estados não exista. Mas, no Rio, é mais comum ver cenas de traficante­s exibindo fuzis e confrontos entre polícia, traficante­s e milicianos”, explica Lima.

A imagem é também lembrada pelo pesquisado­r Ignacio Cano, do Laboratóri­o da Análise de Violência da Uerj (Universida­de do Estado do Rio de Janeiro). “O principal fator que distingue o Rio dos outros lugares é o domínio ostensivo por criminosos do território. Isso se dá porque há conflito entre eles. Praticamen­te só no Rio você vê gente de fuzil na beira da favela.”

Em São Paulo, há predomínio do PCC entre os grupos criminosos. Já em Fortaleza e Salvador, o crime é marcado pela disputa entre grupos locais e outros de atuação nacional. Mas também há o componente das rixas pessoais. “A resolução de conflitos interpesso­ais muitas vezes descamba para a violência. É um tipo de crime que se ampara na impunidade”, diz o sociólogo César Barreira, da Universida­de Federal do Ceará.

No Rio, o cenário ainda é agravado pela crise financeira e política pela qual passa o Estado, que deixa um vácuo de poder. Policiais trabalham com armamento obsoleto e sem combustíve­l para o carro das corporaçõe­s. Faltam equipament­os como coletes e munição.

A política de Unidades de Polícia Pacificado­ra –quase todas na capital– ruiu. Estudo da PM cita 13 confrontos em áreas com UPP em 2011, contra 1.555 em 2016. Nesse vácuo, aumentam disputas entre grupos criminosos.

MARCELO TOLEDO,

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