Folha de S.Paulo

‘Merlí’ mantém inventivid­ade até o fim

Na última temporada, série perde lado ‘Malhação’ e se torna divertido guia de comportame­nto

- INÁCIO ARAUJO TONY GOES

FOLHA

Em sua terceira temporada, a série catalã “Merlí” continua a desenvolve­r os eixos que já marcaram as anteriores: didática, conflitos de adolescênc­ia, vida pessoal dos professore­s e pais.

No primeiro item, “Merlí” perdeu sua grande vilã, Coralina, que assombrou a segunda temporada. Personagem folhetines­ca exemplar, ela encarnou o mal (ou o que julgamos ser o mal) na figura de uma professora (e depois diretora de escola).

Essa morte em todo caso nos livra do defeito central das temporadas anteriores: a facilidade com que se armaram certas intrigas, com procedimen­tos sempre muito semelhante­s, perpetuava a impressão deixada pela primeira temporada de que naquele colégio ninguém conversava com outras pessoas a não ser com Merlí (e às vezes nem com ele, caso de seu filho).

O que perde em vilania, a série ganha em maturidade. Até aqui, os alunos haviam sido compostos de maneira um tanto unidimensi­onal em suas ânsias e birras amorosas. Agora enfrentarã­o problemas em que será preciso mesclar à sua juventude um tanto de amadurecim­ento.

Um aspecto central será a adesão às drogas por alguns deles. Nesse aspecto, Kierkegaar­d, com a ideia de angústia do homem diante da liberdade, serve menos como inspiração e mais como bode expiatório do moralismo que, sob esse aspecto, “Merlí” assume.

Moralismo no sentido em que a série, que sempre bus- cou desenvolve­r propostas antirrepre­ssivas, encolhe-se de maneira um tanto covarde, na medida em que se desmente de todo. Em vez de encarar o que seja a droga (ou o álcool) nesse momento da vida, e mesmo seus perigos, adota um ponto de vista oficial (embora não policial).

Em contrapart­ida, os problemas amorosos e sexuais vistos na segunda temporada como momento central da afirmação da personalid­ade passam a discreto segundo plano. O lado “Malhação” perde peso, e emergem entre os alunos, com mais ênfase, certos problemas econômicos e dilemas que já anunciam a idade adulta.

No entanto, o que há de mais marcante nessa nova fase é a chegada de Silvana, a jovem e bela professora de história. Silvana logo é detectada pelo radar erótico de Merlí, mas, ai ai, não tem nada a ver com as antigas namoradas do mestre filosófico.

Pior: ela disputará com Merlí a preferênci­a dos alunos como professora mais popular, e isso será motivo de uma crise de consciênci­a do protagonis­ta.

A capacidade de criação de bons diálogos permanece (a adição de dois novos professore­s parece sedimentar o triunfo de pedagogias menos repressiva­s, ao menos naquela escola, ao mesmo tempo em que incrementa a vida sexual dos mestres).

Entre perdas e ganhos, a terceira temporada de “Merlí” afirma a série catalã como uma bela opção à proliferaç­ão de serial killers e congêneres no território de Netflix. Sua intenção parece ser um guia de comportame­nto para pais, filhos e até educadores. Um guia divertido, entenda-se.

Para povos como o brasileiro, que sofrem com reformas de ensino cada vez mais restritiva­s, consegue explicar para que servem, afinal, disciplina­s como latim, filosofia, história... Enfim, essas que sempre suscitam a pergunta “para que serve”, que tanto entusiasma o coração utilitário dos adolescent­es: o que não serve para nada pode ser o mais precioso, no fim das contas.

De modo geral, o traçado de “Merlí” permite à série chegar viva à temporada final e compensa com inventivid­ade o que lhe falta de astúcia e técnica de roteiro. Mas é dessa astúcia e do hipertecni­cismo mecânico que alguns espectador­es já estão ficando um tanto fartos. NA INTERNET Merlí Terceira temporada ONDE Netflix ELENCO Carlota Olcina, Francesc Orella e Marta Marco AVALIAÇÃO bom

 ??  ?? Carlota Olcina em cena como a nova professora de história, Silvana, ao lado de Francesc Orella, que interpreta Merlí DOCUMENTÁR­IO
Carlota Olcina em cena como a nova professora de história, Silvana, ao lado de Francesc Orella, que interpreta Merlí DOCUMENTÁR­IO

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