FICÇÃO CIENTÍFICA Filme que começa bem cresce além da conta graças a cargas de drama social
O projeto de “Pequena Grande Vida” começou a ser concebido em 2006. A ideia de ter Alexander Payne, diretor e roteirista vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado (ao lado do parceiro Jim Taylor) por “Sideways - Entre Umas e Outras”, dois anos antes, parecia um tiro certo para qualquer estúdio. Mas não foi o que aconteceu.
“Ouvi ‘não’ de todos os presidentes dos grandes estúdios”, diz Payne à Folha ao falar sobre sua sátira que trata de comunidades utópicas criadas quando cientistas noruegueses descobrem como miniaturizar seres humanos.
“Foi difícil financiar esse filme. Entendo as recusas, pois não é um filme de superherói, mas uma sátira com orçamento alto.”
Matt Damon é um terapeuta ocupacional soterrado em um emprego pouco prazeroso, um casamento infeliz e uma vida insossa. Ele tenta a sorte com a mulher (Kristen Wiig) em uma das comunidades em miniaturas onde um trabalhador de classe média pode viver como um ricaço.
Lá, ele conhece um playboy contrabandista (Christoph Waltz) e uma faxineira vietnamita (Hong Chau) que, na verdade, é ativista miniaturizada contra a própria vontade por ordens do governo.
O projeto consumiu US$ 68 milhões da Paramount e da coprodutora Annapurna. Boa parte foi para as filmagens em quatro locações: além de Toronto, no Canadá, onde boa parte foi rodada no maior estúdio da América do Norte, a produção foi para a Noruega, para Los Angeles e Omaha, ambas nos Estados Unidos.
“O cinema americano está inflacionado. Poderia ter fei-
FOLHA
Todo mundo sabe que a ficção científica é um gênero que inventa histórias mirabolantes sobre o futuro ou sobre realidades alternativas, tecnologias hipotéticas e mundos impossíveis.
Porém o que essas fábulas muitas vezes mostram são características menos evidentes da nossa realidade.
Nesse sentido, “Pequena Grande Vida” retoma uma veia que a ficção especulativa cultivou desde suas origens, ao criticar o presente como se cogitasse a respeito de algum futuro.
Só que, em vez da fantasia ilimitada e do pessimismo na forma de distopias que predominam na atual ficção científica, o diretor e roteirista Alexander Payne prefere a sátira, modo de aliviar com humor o que parece sério.
Num mundo similar ao nosso, Paul Safranek (Matt Damon), um zé-ninguém cujas economias nunca dão para o gasto, decide aderir a um programa revolucionário de encolhimento físico.
A invenção de cientistas nórdicos amenizou o risco da catástrofe ambiental anunciada e, de quebra, facilitou a vida de quem nunca teve muito. As pessoas se apequenam, e suas economias não, possibilitando aos miniaturizados ter um padrão de conforto antes inconcebível.
Como toda utopia, Littleland também esconde suas fissuras, que logo se revelam, quando Safranek descobre, em outra escala, as imperfeições irrevogáveis da natureza humana.
A primeira parte, dedicada à transposição do tamanho, indica um grande filme, no qual a fantasia visual dialoga com o humor ácido que Payne consegue em seus momentos mais inspirados.
Mas à medida que Safranek passa do lugar de herói sem qualidades ao de consciência culpada, “Pequena Grande Vida” oscila e quase decepciona.
A tentação de Payne pela escrita espiralada, que distingue trabalhos como “Os Descendentes” (2011) ou “Nebraska” (2013), enfrenta aqui o problema contrário do acúmulo.
A duração de 135 minutos parece ser maior que a trama pede. E a saturação de mensagens cansa quando o filme troca a sátira futurista pelo drama social, ticando tópico por tópico da agenda politicamente correta.
É um problema com que o cinema hollywoodiano tem de lidar desde que as séries passaram a oferecer complexidade narrativa ao público de sofá, deixando para os filmes a função limitadora de entretenimento sensorial.
Payne pelo menos não evita o risco de elaborar, o que já não é pouco. (DOWNSIZING) DIREÇÃO Alexander Payne PRODUÇÃO: EUA, 2017, 14 anos QUANDO em cartaz AVALIAÇÃO bom to no Brasil por muito menos e com mais liberdade”, reclama Payne, cujo longa mais caro até então tinha sido “As Confissões de Schmidt” (2002), que custou US$ 32 milhões. “Mas metade foi o salário de Jack Nicholson”, diz.
“Pequena Grande Vida” ganha relevância política moderna quando o personagem de Damon descobre que há todo um ambiente de dejetos sociais vivendo atrás do muro da sua comunidade, imigrantes voluntários (ou não) tentando um lugar ao sol nesse sonho em miniatura.
“O planeta parece girar para o lado errado. As pessoas acham o filme contemporâneo e ficam surpresas quando falo que escrevi há dez anos. Bom para o filme, mas ruim para o planeta”, diz o cineasta. “E não podemos esquecer dessas crianças de quatro anos que estão brincando com armas nucleares nos EUA e Coreia do Norte.”
A preocupação com o futuro da humanidade, no entanto, provocou as primeiras grandes críticas a Payne.
A segunda metade do seu longa abandona a sátira social cômica para abordar temas ecológicos grandiosos.
“Tenho lido críticas negativas”, admite. “Acho que elas vêm do fato de ser uma ótima ideia para uma minissérie. Você acompanharia lentamente esse sujeito simples de Omaha e nunca adivinharia onde ele iria parar. Mas como amo o cinema e quis fazer em 2h30, precisei contar de maneira mais rápida.”
Quem escapou da onda negativa foi a atriz Hong Chau. Apesar de o longa ter rendido apenas US$ 50 milhões no mundo todo, ela passou por cima de acusações de estereotipar asiáticos e foi indicada aos prêmios do Sindicato dos Atores e Globo de Ouro.
“Chau entendeu o humor, a história e fez os diálogos funcionarem”, conta o diretor sobre a mulher de 38 anos que nasceu em um campo de refugiados na Tailândia antes de se mudar para os EUA, onde cresceu. “Ela, preciso admitir, rouba o filme.”