Sa é uma visão superada desde o segundo pós-guerra.
CONTRA A CORRUPÇÃO A corrupção no Brasil, que vem em processo acumulativo desde muito longe, não se manifesta em falhas individuais ou pequenas fraquezas humanas. Ela é fruto de um pacto oligárquico celebrado entre boa parte da classe política, do empresariado e da burocracia estatal para saque do Estado brasileiro.
O modo de fazer política e de fazer negócios no país funciona mais ou menos assim: o agente político relevante indica o dirigente do órgão ou da empresa estatal, com metas de desvio de dinheiro; o dirigente indicado frauda a licitação para contratar empresa que seja parte no esquema; a empresa contratada superfatura o contrato para gerar o excedente do dinheiro que vai ser destinado ao agente político que fez a indicação, ao partido e aos correligionários.
Note-se bem: este não foi um esquema isolado! Este é o modelo padrão. A ele se somam a cobrança de propinas em empréstimos públicos; a venda de dispositivos em medidas provisórias, leis ou decretos; e os achaques em comissões parlamentares de inquérito, para citar alguns exemplos mais visíveis.
Nesse ambiente, faz pouca diferença saber se o dinheiro vai para a campanha, para o bolso ou um pouco para cada um. Porque o problema maior não é para onde o dinheiro vai, e sim de onde ele vem: de uma cultura de desonestidade que foi naturalizada e passou a ser a regra geral.
O Supremo Tribunal Federal tem dado contribuição importante para o enfrentamento desse estado de coisas, ainda que de forma menos vigorosa do que pessoalmente acho que deveria.
De fato, ao longo do julgamento da ação penal 470 (mensalão), pela primeira vez, empresários, políticos e burocratas foram condenados por crimes como corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituições financeiras. Foi uma virada histórica na cultura da impunidade, que abriu caminho para a Operação Lava Jato.
Na sequência histórica, com participação direta ou indireta do STF, vieram a ser presos três ex-presidentes da Câmara dos Deputados, dois ex-chefes da Casa Civil, um exsecretário de Governo da Presidência da República, ex-governadores, alguns dos maiores empresários do país e um político símbolo da corrupção atávica. Impossível negar que o Brasil já mudou.
Foi decisiva, para essa nova realidade, a decisão de permitir a execução das condenações penais após o segundo grau. Pela primeira vez, ricos delinquentes, que sempre escapavam do sistema penal pela procrastinação indefinida, passaram ser punidos e a colaborar com a Justiça. O impacto prático dessa modificação foi expressivo e abrangente, desbaratando esquemas diversos. REAÇÃO OLIGÁRQUICA Sem surpresa, já se fala em voltar atrás. Parte da elite brasileira, inclusive no Judiciário, milita no tropicalismo equívoco de que corrupção ruim é a dos outros, mas não a dos que frequentam os mesmos salões que ela. Infelizmente, somos um país em que alguns ainda cultivam corruptos de estimação.
Como a nova ordem passou a atingir pessoas que se imaginavam imunes e impunes, deflagrou-se, para combatê-la, uma “Operação Abafa” enorme e multifacetada.
Entre os representantes da ve- lha ordem, há duas categorias bem visíveis: (i) a dos que não querem ser punidos pelos malfeitos cometidos ao longo de muitos anos; e (ii) um lote pior, que é o dos que não querem ficar honestos nem daqui para frente. Gente que tem aliados em toda parte: nos altos escalões, nos Poderes da República, na imprensa e até onde menos seria de esperar. Mesmo no Judiciário subsiste, em alguns espaços, a mentalidade de que rico não pode ser preso, não importa se corrupto, estuprador ou estelionatário.
Volta-se aqui à malsinada competência penal do Supremo. Nesse universo de criminalidade, em que se misturam ideologia, desonestidade e projetos de poder, coube ao tribunal o ônus de arbitrar as perdas e danos causados pela tempestade ética, política e econômica que se abateu sobre o Brasil. Seria ingenuidade supor que pudesse escapar ileso, sem desagradar a muitos, de todos os lados.
Onde foi possível, o tribunal exerceu sua função moderadora. Mas seria fantasioso imaginá-lo como uma instância hegemônica, capaz de neutralizar todas as tensões e atritos vindos dos outros dois vértices da praça dos Três Poderes. Com um detalhe: o Supremo é uma instituição plural. Não tem chefe. Hierarquia existe é nas Forças Armadas. Este foi outro filme.
Felizmente, o filme atual exibe um sentimento republicano e igualitário crescente, capaz de vencer essa triste realidade. UM NOVO COMEÇO Em um livro notável, intitulado “Por que as Nações Fracassam” (Campus Elsevier), Daron Acemoglu e James A. Robinson exploram as causas da prosperidade e da pobreza nos diferentes países. A principal conclusão da obra é que o sucesso dos países está associado à existência de instituições políticas e econômicas que não sejam apropriadas pelas elites, mas que sejam verdadeiramente inclusivas, capazes de dar a todos segurança, igualdade de oportunidades e confiança para inovar e investir. E promover a “destruição criativa” da velha ordem.
É possível —apenas possível— que o Brasil esteja vivendo um momento de refundação, um novo começo. Aos 30 anos de democracia, as instituições estão sendo construídas e consolidadas. Uma das tarefas mais difíceis é derrotar a cultura da desigualdade, da apropriação privada do que é público e do compadrio no andar de cima, que sempre adiou o futuro do país.
Sem ter conseguido escapar de algumas armadilhas deixadas pelo passado, o Supremo Tribunal Federal tem prestado bons serviços à estabilidade institucional e ao avanço social no Brasil, protegendo as regras do jogo democrático e assegurando o respeito aos direitos fundamentais.
Os aspectos mais problemáticos de sua atuação se deram relativamente a uma competência que ele não deveria ter: a de funcionar como juízo criminal de primeiro grau para políticos encrencados.
Mesmo assim, vem tendo papel decisivo no enfrentamento da corrupção, contribuindo de forma relevante —ainda que nem sempre linear— para atender a imensa demanda por integridade, idealismo e patriotismo que germinou na sociedade brasileira.
Temos andado na direção certa, ainda quando não na velocidade desejada. E, nos dias ruins, há sempre um consolo libertador, que vale para todos e ajuda a mudar o mundo: não importa o que esteja acontecendo à sua volta, faça o melhor papel que puder.