Folha de S.Paulo

Cobertura da imprensa não observa a lenta redução da criminalid­ade em cidades como Nova York e SP

- COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Vera Iaconelli; quarta: Ilona Szabó de Carvalho; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

NO INÍCIO dos anos 1980, Nova York assombrava seus moradores e turistas como uma cidade perigosa. A “capital do mundo” tinha índices de criminalid­ade muito elevados e isso se refletia de forma destacada no noticiário dos jornais.

Desde então, a violência se reduziu e hoje seus números são os menores de toda a história. Mas a imprensa segue destacando os crimes, o que faz com que a opinião pública local não se dê conta da revolução que ocorreu em três décadas.

A imprensa tem caracterís­ticas estruturai­s que distorcem a visão dos fatos de longo prazo: a vocação para o inusitado e para a notícia ruim; e a aversão à história. O primeiro mandamento do jornalismo diz: “Boa notícia não é notícia”.

Como ninguém está em todos os lugares ao mesmo tempo, os olhos da sociedade são os jornais. Se eles só se voltam para fatos negativos, Quem passeia em Nova York hoje, sem temer assaltos, não sabe que 30 anos atrás isso era uma temeridade. Mas a imprensa local não destaca essa boa nova. O mesmo vale para São Paulo. E talvez até para o Rio de Janeiro, como destacou o intervento­r, Walter Braga Netto, para quem o índice de violência na cidade é menor do que a percepção pública: “É muita mídia”, disse. Em parte, o general tem razão, disse reportagem da Folha neste domingo (25).

São Paulo tem os menores níveis de violência de sua história. Mas só quem afirma isso, em anúncios pagos, é o governo tucano, que reivindica a autoria do aparente milagre. Políticos de oposição questionam as estatístic­as ou maximizam os crimes, aproveitan­do-se do noticiário que destaca as más notícias. Um resultado disso é a cristaliza­ção da imagem de que tudo está como antes ou pior. Outro é a justificaç­ão do argumento oportunist­a dos arautos de intervençõ­es militares, para ao crime”.

Enquanto isso, nas universida­des dos EUA e do Brasil, cientistas sociais procuram as causas da redução. Não há quem questione a queda, inclusive porque ela é igual em todas as grandes metrópoles do planeta, como destaca artigo recente de Adam Gopnik, na revista “The New Yorker” (12/2). E os estudos apontam que não há causas isoladas, mas diversas razões que, conjuntame­nte, contribuem para o ciclo positivo. Entre elas, as ações de governos têm peso menor que a queda da taxa de natalidade, o envelhecim­ento da população e a redução do espalhamen­to vive fenômeno semelhante, os blocos de Carnaval são só uma das muitas expressões de confiança.

Mas a imprensa segue mais atenta ao crime do que à norma. Se a publicidad­e é a arma do negócio, por assim dizer, o noticiário premia a violência: mantém a população assustada como nos anos 1980, mesmo que o crime seja uma sombra do que era. Nos EUA, esse engano criou o terreno fértil para o discurso de Donald Trump. Pense nas “bancadas da bala” e em candidatos militares e você verá que o Brasil segue caminho semelhante.

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