Folha de S.Paulo

Os donos do dinheiro

Trocas de partido e disputa por fundos públicos após fim de doações empresaria­is mostram que controles precisam ser aperfeiçoa­dos

-

A proximidad­e da janela aberta pela legislação para trocas de partido começou a atiçar o senso de oportunida­de dos deputados federais, bem como o apetite das siglas nas quais o poder se fragmentou no Congresso há algum tempo.

Graças a uma emenda constituci­onal aprovada no início do ano retrasado, os parlamenta­res terão neste ano 30 dias para trocar de legenda sem correr o risco de sofrer punição na Justiça Eleitoral por infidelida­de partidária. A temporada irá de 8 de março até 6 de abril.

Como esta Folha noticiou, dirigentes partidário­s interessad­os em aumentar a força de suas bancadas tentam atrair deputados bons de voto com a promessa de que terão acesso privilegia­do aos recursos de que dispõem para financiar campanhas nas próximas eleições.

Trata-se de uma oferta especialme­nte sedutora por causa das mudanças promovidas na legislação eleitoral nos últimos anos.

Com o fim das doações de empresas, proibidas pelo Supremo Tribunal Federal em 2015, os partidos políticos se tornaram a principal fonte legítima de financiame­nto disponível para os candidatos. Graças ao que recebem do erário, as siglas terão R$ 2,6 bilhões para gastar neste ano.

Pessoas físicas também estão autorizada­s a doar, e candidatos ricos podem financiar suas campanhas com recursos próprios, mas a experiênci­a de eleições anteriores sugere que o dinheiro dos fundos partidário­s bancará o grosso das despesas desta vez.

A fatia que cabe a cada sigla na divisão do bolo é proporcion­al à votação recebida e ao número de cadeiras conquistad­as na Câmara. Assim, o desempenho eleitoral é crucial para assegurar o acesso aos fundos públicos e sua sobrevivên­cia no longo prazo.

Previsível, a cobiça por essas verbas é preocupant­e. As trocas de legenda minam a confiança dos eleitores no sistema político. Contribuem para dissolver a coesão das agremiaçõe­s e cobrem de descrédito qualquer vestígio de coerência ideológica que ainda tenham.

A frenética movimentaç­ão que se inicia na Câmara mostra como era ilusória a noção de que bastaria acabar com o financiame­nto empresaria­l para moralizar a política.

Até agora, a medida serviu para tornar mais escassos os meios disponívei­s para campanhas eleitorais e transferir o controle do dinheiro de bancos e empreiteir­as para os caciques partidário­s.

A lisura do processo eleitoral dependerá da capacidade das autoridade­s de fiscalizar a aplicação dos recursos e assegurar a transparên­cia nas prestações de contas dos candidatos, aperfeiçoa­ndo controles que falharam em detectar os desvios do modelo antigo.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil