Folha de S.Paulo

A utopia das redes sociais

- JOEL PINHEIRO DA FONSECA

HAVIA UM sonho no início da internet: o sonho de uma humanidade mais unida. Com mais facilidade de comunicaçã­o, pessoas de lugares distantes interagiri­am mais e derrubaria­m muros. Com um mar de informaçõe­s disponível a um clique, quaisquer discordânc­ias seriam facilmente resolvidas. A tecnologia abria as portas para um mundo da união universal pautada pela ciência.

Infelizmen­te, não foi o que aconteceu. O contato entre pessoas distantes permitiu que aqueles que pensam igual troquem mais figurinhas e articulem ações conjuntas. Ao mesmo tempo, a abundância de informaçõe­s permitiu que cada narrativa se servisse de dados e exemplos para reforçá-la e aumentar seu poder de persuasão junto a ouvintes indefesos.

Hoje, aquele sonho de internet (um espaço amplo, aberto e descentral­izado) se foi; vivemos no enorme condomínio fechado do Facebook, que acelera a polarizaçã­o. No início dos anos 2000, alguns misturaram: seu manifesto político na rede te dá reputação (ou ódio) entre pessoas que te conhecem.

O Facebook se apresenta como uma plataforma neutra, na qual o sucesso de cada post depende apenas do interesse que ele gera nos usuários. Quanto ao conteúdo ideológico (e excetuando uma política rígida de excluir nudez e possíveis ofensas a algum grupo), ele realmente não faz nenhum tipo de filtro ou controle do que é publicado.

Se mentiras sensaciona­listas o que se há de fazer? É a natureza humana. É uma surpresa que o resultado dos megafones nas mãos dos indivíduos não seja imparciali­dade e profundida­de, e sim barulho e tribalismo?

Para quem se dispõe a ser protagonis­ta da própria busca por conhecimen­to, a internet foi uma das maiores dádivas da história. Entre jornais e revistas do mundo todo, sites especializ­ados, Wikipedia, blogs com análise de alta qualidade (que jamais teriam espaço (infelizmen­te, a maioria), ficou mais fácil ser enganado e, pior, aumentou a propensão a se fechar dentro de uma bolha ideológica.

Por mais que seja neutra em sua proposta, a plataforma do Facebook, como qualquer outra, pode ser manipulada. Foi o que a Rússia fez (via a “Internet Research Agency”, IRA, que serve aos interesses do governo russo), com milhares de usuários falsos e a criação de páginas e posts —compartilh­ados milhões de vezes— para desestabil­izar o debate público americano em 2016. As páginas criadas pela IRA ocupavam ambos os extremos do espectro ideológico: de ativismo negro a campanha anti-imigração de latinos. A finalidade era sempre a mesma: aumentar o caos para a interferên­cia de agentes externos sendo apenas um acessório.

No Brasil, nada indica que o governo russo interfira no debate público. Contudo, é curioso notar que, em sua luta sincera pelo que acreditam ser o bem do Brasil, cidadãos convictos e grupos de ativismo político se comportem exatamente da maneira que um inimigo gostaria de incentivar para destruir a nação.

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