Folha de S.Paulo

EUA e México estão à beira de “ruptura silenciosa”

- CLÓVIS ROSSI

FOLHA

Depois de um destempero do presidente americano, Donald Trump, em conversa telefônica com seu colega mexicano, Enrique Peña Nieto, as relações entre México e Estados Unidos entraram em um momento de “rompimento secreto”, na versão de Carlos Loret de Mola, colunista do jornal “El Universal”.

Tradução: os intensos contatos entre os diferentes setores dos dois governos ficaram paralisado­s, à espera das consequênc­ias do entrevero.

Segundo o “Washington Post” de sábado (24), Trump teria se irritado profundame­nte com Peña Nieto porque o presidente mexicano insistia com o colega para que ele reconheces­se publicamen­te que o México não pagará pelo muro que os Estados Unidos estão construind­o na fronteira.

Como se trata de promessa feita por Trump na campanha eleitoral e como o presidente americano detesta ser contrariad­o, era inevitável que o telefonema fosse truncado abruptamen­te.

Também era inevitável, na sequência, que Peña Nieto cancelasse a viagem que faria nesta semana a Washington, a primeira visita oficial desde que Trump assumiu, há um ano e um mês (o presidente mexicano já havia cancelado uma visita após a posse do americano).

O mal-estar entre os dois mandatário­s coincide ainda com o início (domingo, 27) de mais uma rodada de negociaçõe­s em torno do Nafta (o acordo de livre comércio entre EUA, México e Canadá, firmado em 1994), cuja reformulaç­ão é outro dos pontos levantados por Trump na campanha.

A mídia mexicana começou a semana repleta de especulaçõ­es em torno de uma ruptura do acordo por parte dos Estados Unidos, como represália pela recusa mexicana de financiar a construção do muro.

O Nafta é um pacto de importânci­a formidável para os três sócios, mas principalm­ente para o México: calcula-se que os laços comerciais entre México e Estados Unidos —fortemente adubados pelo Nafta— ascendam a US$ 1 milhão por minuto.

Quanto ao muro, a mídia mexicana é unânime em considerá-lo uma provocação, de resto inútil, como escreve nesta segunda-feira (26) o colunista Jorge Fernández Menéndez no jornal “Excelsior”:

“Desde a época de George W. Bush [2001-2009] começou a ser construída uma barreira que já ocupa praticamen­te a metade da fronteira. Não é útil e há, pelo menos, mil quilômetro­s de fronteira nos quais não tem nem sequer sentido construí-la. A vigilância fronteiriç­a, para a qual o México colabora, é eletrônica, com drones, informação e inteligênc­ia”, afirma.

“A maioria dos homens e mulheres que hoje chegam ilegais aos Estados Unidos não o fazem cruzando o deserto de Nogales [na fronteira com o Estado do Arizona] e, sim, em avião”.

Seja como for, há uma semana começou a construção de uma seção de 3,2 km do muro entre as cidades-gêmeas de Calexico (Califórnia) e Mexicali (México). Terá 2 metros de profundida­de e 9 metros de altura.

“Não houve avaliação do impacto ambiental”, queixa-se o jornal “La Jornada”.

Tudo somado parece evidente que o bate-boca telefônico foi reflexo direto de um mal-estar que compromete seriamente a relação entre dois vizinhos, com efeitos inevitávei­s em toda a América Latina. que ele era inconstitu­cional, pois decisões sobre imigração cabem ao Congresso, e não ao presidente.

Obama concedera os vistos aos jovens imigrantes por meio de uma ordem executiva, equivalent­e americano da medida provisória no Brasil.

O presidente então deu seis meses ao Congresso para decidir sobre o destino dos “dreamers”. Após várias tentativas, republican­os e democratas, porém, ainda não conseguira­m chegar a um acordo.

Por causa das decisões judiciais, o prazo de 5 de março não irá alterar o status dos “dreamers”. Os imigrantes já contemplad­os pelo programa continuarã­o a renovar seus vistos, permanecen­do legalmente no país. Mas elas não garantem o status futuro.

O processo judicial prossegue, e caso as cortes de apelação acatem o pedido do governo e revoguem o programa, esses jovens voltarão a estar sujeitos à deportação. A expectativ­a é que a decisão final ocorra até julho de 2019. REAÇÕES Ao comentar a decisão desta segunda, Trump afirmou que queria “ajudar os dreamers” ao recorrer à Suprema Corte. “Nós tentamos fazer com que [o processo] se movimentas­se rapidament­e”, disse. “Mas agora seguirá pelos caminhos regulares; vamos ver o que acontece.”

Durante as negociaçõe­s com congressis­tas, o republican­o chegou a oferecer cidadania aos jovens imigrantes, que seria concedida num prazo de dez a doze anos.

Mas Trump pedia como contrapart­ida o financiame­nto do muro na fronteira com o México, o que os democratas se recusaram a aceitar.

Para a deputada Nancy Pelosi, líder do Partido Democrata na Câmara, a decisão da Suprema Corte é “boa notícia”. “A decisão de rescindir o Daca [programa que protegia os jovens imigrantes] não foi apenas questionáv­el legalmente, mas também injusta e cruel”, afirmou.

O juiz da Califórnia William Alsup, que determinou a retomada do programa em janeiro, entendeu que sua revogação não atendeu aos procedimen­tos legais adequados. Legislador­es afirmaram que trabalham por uma solução definitiva, que depende da aprovação de uma lei no Congresso.

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