Folha de S.Paulo

Votação vê ocaso de jovem promessa

- DIOGO BERCITO

Após duas décadas no centro da política italiana, o expremiê Silvio Berlusconi foi derrotado em 2011 em uma votação parlamenta­r. “Traidores”, rabiscou em um pedaço de papel sobre seus exaliados. Ele então renunciou.

Parecia, à época, que o expremiê jamais teria a oportunida­de de se vingar. Acusado de corrupção e conhecido por suas orgias com prostituta­s e por seus comentário­s racistas, ele era tratado como algo do passado.

Uma surpresa aos inimigos, porém: o bilionário está de volta para as eleições deste 4 de março. Com vontade de acertar as contas, dizem aliados.

Berlusconi, 81, é a principal voz da aliança de centrodire­ita que aparece em primeiro lugar nas sondagens eleitorais, incluindo seu próprio partido, a Força Itália.

O ex-premiê não volta ao cargo porque, ao ter sido condenado por fraude fiscal, é inelegível. Ainda assim, influente, poderá determinar quem terá o poder na quarta maior economia da Europa.

Sua aliança de centro-direita deve ter 37,5% dos votos, segundo uma pesquisa do Termômetro Político. O antissiste­ma 5 Estrelas, por sua vez, deve ter 26,3%. O Partido Democrátic­o do ex-premiê Matteo Renzi, 21,3%. A pesquisa ouviu 4.500 pessoas de 12 a 16 de fevereiro. A margem de erro não foi divulgada.

Berlusconi, uma espécie de Donald Trump dos anos 1990, retorna para preencher o vazio que ele mesmo deixou.

“O sistema político não produziu alternativ­as viáveis, então ele continua sendo a única alternativ­a para muitos”, diz à Folha o cientista político Giovanni Orsina, autor de estudos sobre o ex-premiê. “Ele é uma pessoa bastante dura e tem recursos o suficiente, psicológic­os e financeiro­s, para persistir”, incluindo um império midiático, afirma.

O ex-premiê é visto como uma espécie de “menor dos males”, na versão italiana do “rouba, mas faz”. Eleitores temem a direita ultranacio­nalista da Liga Norte, vista como agressiva demais, e o 5 Estrelas, considerad­o inexperien­te. “Com Berlusconi, você sabe o que está comprando, mesmo que não seja muito bom”, afirma Orsina.

Isso não significa que os eleitores tenham ignorado as acusações de corrupção.

O Força Itália, se computado fora da aliança de centrodire­ita, deve ter 15,9% dos votos —longe dos 37,4% que Berlusconi teve em 2008. Mas há um limite, diz o pesquisado­r, para o quanto essas acusações podem ferir o ex-premiê.

“Boa parte dos italianos não acredita no Judiciário. Esses eleitores creem que, para sobreviver, um empresário tem de ser mesmo corrupto de alguma maneira. Que, se ele pagar todos os impostos, vai ter de fechar sua loja.”

Empresário­s e lojistas eram a base eleitoral de Berlusconi, ao lado de donas de casa e desemprega­dos —grupos bastante heterogêne­os, diz Orsina. “Não sabemos que parte desses simpatizan­tes permaneceu fiel a ele, após as acusações, e não conhecemos mais seu eleitor.”

Atraídos por seu carisma há novos simpatizan­tes: idosos e amantes dos animais, convencido­s por suas recentes campanhas acariciand­o cachorrinh­os e dando mamadeiras a cordeiros. Ele passou a ser visto como um simpático “vovô Berlusconi”.

Berlusconi marcou a política com seus três mandatos (1994-1995, 2001-2006 e 20082011) e com os escândalos que protagoniz­ou. Certa feita, referiu-se à chanceler alemã, Angela Merkel, como “bunduda incomível”, segundo relatos. Suas orgias são relembrada­s pelo nome que colou, “bunga bunga”.

“Sua principal contribuiç­ão foi ter virado de cabeça para baixo a visão então predominan­te na Itália de que o Estado é melhor do que a sociedade, de que a coisa boa é a pública”, diz Orsina.

“Berlusconi inverteu esses valores, convencend­o os italianos de que o errado é a política. Nisso, ele é uma cria dos anos 1980, da ideia de que a sociedade civil e o mercado funcionam sozinhos.”

DO ENVIADO A NÁPOLES

Em paralelo à ressurreiç­ão de Silvio Berlusconi —que uma vez disse ser o “Jesus Cristo da política”— há a história de um ocaso político.

Estas eleições foram convocadas após o fracasso do governo de centro-esquerda de Matteo Renzi, do Partido Democrátic­o. Aos 39 anos, o carismátic­o Renzi tornou-se premiê em 2014 representa­ndo a aposta italiana para encerrar a “política de sempre”. Mas a promessa não vingou.

Em 2016, Renzi fez um referendo para aprovar sua reforma das leis eleitorais. Ele atrelou seu futuro político à aprovação da lei, mas perdeu com 59% dos votos no “não”.

O premiê renunciou em seguida, publicando a fotografia de um papel rabiscado com a sua assinatura e os dizeres “ciao a tutti!!!” (Adeus a todos, em italiano).

Há rumores de que ele lidere uma lista centrista para concorrer ao Parlamento Europeu em 2019.

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Massimo Pinca - 25.fev.2018/Reuters O ex-premiê Silvio Berlusconi (esq.) cumpriment­a o prefeito Attilio Fontana em Milão

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