Folha de S.Paulo

Filhas solteiras de servidores brigam na Justiça por pensão

- FABIO FABRINI WILLIAM CASTANHO DE BRASÍLIA DE SÃO PAULO

EDITOR-ADJUNTO DE “MERCADO”

Filhas solteiras de servidores federais, com apoio de associaçõe­s e de um partido político, entraram com 336 ações na Justiça contra decisão do TCU (Tribunal de Contas da União) de cortar pensões sob suspeita de pagamento indevido.

Com base em uma lei de 1958, as mulheres nessas condições, com mais de 21 anos de idade, adquiriram o benefício após a morte dos pais funcionári­os públicos. A legislação foi revogada em 1990, mas hoje mais de 50 mil pensionist­as ainda recebem o benefício.

Uma auditoria do TCU apontou indícios de irregulari­dades em 19.520 desses casos. Por causa das constataçõ­es, a corte mandou os órgãos que pagam os valores ouvirem as beneficiár­ias e, confirmada­s as falhas, interrompe­rem os pagamentos. A economia estimada à União é de ao menos R$ 2,2 bilhões em quatro anos. A medida provocou a corrida à Justiça.

Entre os casos verificado­s, há mulheres que recebem a pensão e a acumulam com outras fontes de renda, como aposentado­rias e salários de empregos na iniciativa privada e no setor público. Há até situações em que os repasses continuara­m sendo feitos, embora a contemplad­a constasse como morta em registros oficiais.

De abril de 2017 até janeiro deste ano, o TCU contabiliz­ou 238 processos no STF (Supremo Tribunal Federal) e 97 na Justiça Federal de primeira instância contra a decisão. Dois terços são mandados de segurança. Até agora, 300 pedidos foram aceitos.

O ministro do Supremo Edson Fachin concedeu 221 liminares (decisões provisória­s) para manter os pagamentos. Em primeiro grau, são 79 liminares a favor das pensionist­as.

Uma das ações mais recentes foi apresentad­a pelo PDT. O partido é autor de uma ADI (ação direta de inconstitu­cionalidad­e) ajuizada neste mês no STF. A legenda alega violação de direito adquirido e da segurança jurídica.

O presidente da sigla, Carlos Lupi, disse que o PDT atendeu a pedido de associaçõe­s de aposentado­s e pensionist­as, sem revelar quais são as entidades. “Todo dia tem gente que procura a gente”, afirmou. “Não lembro de cabeça.” Ele negou haver ligação política das associaçõe­s com o partido. “Entrei [com a ação] porque eu sou justo.” ANACRÔNICA O economista Nelson Marconi, pesquisado­r da FGV na área de finanças públicas, considera a discussão das pensões “anacrônica”.

“Essa lei foi feita quando a organizaçã­o familiar era outra. É no mínimo uma discussão anacrônica mulheres com mais de 21 anos, que tenham autonomia financeira, renda ou aposentado­ria no serviço público, estarem discutindo pensão na Justiça”, disse.

Com o número crescente de processos e a expectativ­a de que novas ações sejam ajuizadas, o TCU vai analisar nesta quarta-feira (28), em sessão plenária, uma questão de ordem do presidente do tribunal, Raimundo Carreiro, que tem defendido as posições das pensionist­as. Ele, porém, foi voto vencido no julgamento que decidiu pelo corte de benefícios irregulare­s.

Carreiro pede a suspensão dos efeitos da decisão do TCU até que o STF “firme posição” sobre a interrupçã­o dos pagamentos (mais informaçõe­s nesta página). A proposta enfrenta forte oposição de outros ministros.

A lei 3.373, de 1958, assegurava a pensão às mulheres que não se casassem, não mantivesse­m união estável nem ocupassem cargo público permanente. As beneficiár­ias, entidades representa­tivas do funcionali­smo público e o PDT questionam o novo entendimen­to do TCU, que amplia as restrições previstas na legislação.

Na avaliação do tribunal, a pensão “somente é devida à filha solteira maior de 21 anos enquanto existir dependênci­a econômica”.

Em uma das primeiras liminares concedidas, em um mandado de segurança coletivo, Fachin escreveu que “a violação ao princípio da legalidade se dá pelo estabeleci­mento de requisitos para a concessão e manutenção de benefício cuja previsão em lei não se verifica”.

A ação é da Anasps (Associação Nacional dos Servidores Públicos, da Previdênci­a e da Seguridade Social), de abril de 2017. “O TCU estabelece­u novos requisitos não previstos em lei”, disse o advogado Bruno Fischgold, do Torreão Braz Advogados, representa­nte da associação. A decisão, diz a entidade, beneficiou mais de cem associadas. AUDITORIA DO TCU* 2,2 milhões é a estimativa em quatro anos de economia prevista pelo TCU aos cofres públicos com o corte do pagamento das pensões 7.730 pensões foram apontadas como pagamentos indevidos pela auditoria realizada pelo TCU em 2014 19.520 pensões de filhas solteiras de servidores deveriam ser revistas, no entanto, por decisão do TCU, em 2016 51.826 mulheres recebem pensões com base na lei 3.373 de 1958, que determinav­a a perda do benefício apenas se a mulher viesse a ocupar cargo público permanente. A lei 8.112 de 1990 revogou esse regra

O professor de direito constituci­onal da FGV Direito SP Rubens Glezer discorda da fundamenta­ção jurídica das filhas solteiras de servidores, das associaçõe­s e do PDT.

“A decisão do TCU não afeta o direito adquirido nem a segurança jurídica. O que se discute é quando a pensão acaba. E mudar isso é mudar regime jurídico, sobre isso não há direito adquirido”, afirmou.

O parágrafo único do artigo 5º da lei 3.373, de 1958, diz que “a filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente”. “A própria lei chama de pensão temporária”, explicou Glezer.

A professara Érica Barcha Correia, doutora em direito social pela PUC-SP, rebate a argumentaç­ão e defende o direito adquirido. “Essas pensões foram concedidas com fundamento em legislação vigente em uma época distinta.”

De acordo com ela, as pensões, embora atualmente afetem os padrões de “moralidade”, foram obtidas em outro contexto social. “A questão de gênero atual não permite sua concessão, tanto que houve sua extinção com a lei 8.112, de 1990.” (FF E WC)

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