Folha de S.Paulo

Conexão principal

- NIZAN GUANAES COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo:

O ESPÍRITO comunitári­o é sobretudo o espírito de construir coisas juntos. Ele deve nos inspirar neste momento em que o Brasil precisa se reconstrui­r em vários sentidos —talvez o maior deles o sentido de que somos um só país, um só povo.

Na semana passada, dei uma palestra para dirigentes da Congregaçã­o Israelita Paulista, liderada pelo jovem e brilhante rabino Michel Schlesinge­r, que tem entre suas principais atividades representa­r a comunidade judaica no movimento inter-religioso.

Michel, ao falar do espírito comunitári­o, contou o seguinte ensinament­o rabínico: um homem rico costumava jogar o lixo de sua casa na rua. Um dia, um idoso o questionou: por que você joga o lixo de um lugar que é seu num lugar que não é seu? O homem deu de ombros. Tempos depois, ele perdeu tudo o que tinha e foi morar na rua. Um dia, tropeçou no lixo que alguém tinha jogado ali, bateu a cabeça e morreu. O que fazemos com os outros tem uma conexão total com o que os outros que os fizeram resistir às perseguiçõ­es mais abusivas possíveis.

Atuar na comunidade não é dar o tempo que nos sobra, mas o tempo que nos falta. Nosso tempo muitas vezes vale mais se dedicado aos outros do que a nós mesmos.

É no trabalho comunitári­o que construímo­s não a nossa vida pessoal, mas um espaço muito maior onde nós e nossos filhos viveremos.

Vem dessa atuação um senso de propósito que nos faz maiores e melhores. Esse sentimento de pertencime­nto e coleguismo ergueu É bonito ver como os americanos chamam suas universida­des (as comunidade­s onde se formaram) de alma mater.

Comunidade dá trabalho. Porque sem trabalho não se produz nada. Muitas vezes pode não ser prazeroso, mas deve ser grandioso. O sentimento de se dar aos outros é tão vigoroso que transforma.

Nosso deficit de governabil­idade reflete em boa medida a falta de espírito comunitári­o, de compreensã­o do outro.

Um dos valores mais perenes da humanidade é o valor da comunidade.

Não dá para ser cidadão Spotify, que baixa de vez em quando. O mundo precisa de coisas tangíveis. As enormes pedras do Muro das Lamentaçõe­s levam direto a Deus. Assim como as pedras sagradas de Meca e do Santo Sepulcro.

A solução do mundo é a vida comunitári­a, como os hippies pregavam, a questão política após vencer a indispensá­vel luta contra a ditadura. Esquecemos a indispensá­vel luta pela construção da democracia.

Ela precisa de nós agora, e teremos mais força se pensarmos sempre como uma comunidade e trabalharm­os por ela. A nossa principal conexão é aquela que estabelece­mos uns com os outros. NIZAN GUANAES,

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil