Folha de S.Paulo

Planos de segurança mudam a cada novo governo federal

Baseadas em boas práticas mundiais, ações não sobrevivem a trocas de gestão

- REYNALDO TUROLLO JR.

Exceções à tendência de descontinu­idade são o Fundo Nacional de Segurança Pública e a Força Nacional

Todos os presidente­s desde a redemocrat­ização lançaram planos ou programas de segurança pública que, apesar de seguirem as recomendaç­ões e as boas práticas aplicadas em países desenvolvi­dos, não sobreviver­am ao governo de plantão —mesmo quando o sucessor era do mesmo partido, como no caso de Lula e Dilma Rousseff.

Em comum, todos os planos traziam a ideia de que a União pode e deve ajudar com dinheiro e assistênci­a técnica os Estados, incumbidos pela Constituiç­ão de 1988 de cuidar da segurança pública.

Duas criações desse período, porém, são citadas como exceções à tendência de descontinu­idade: o Fundo Nacional de Segurança Pública, de 2001 (governo FHC), ainda hoje o principal indutor de projetos da área, e a Força Nacional, de 2004 (governo Lula), que presta auxílio aos Estados em momentos de crise.

São dois exemplos do que os especialis­tas chamam de medidas estruturan­tes.

A participaç­ão federal voltou ao foco após o presidente Temer decretar intervençã­o na segurança do Rio e nomear como intervento­r o general Walter Braga Netto, que deve comandar as forças de segurança do Estado até o final do ano. É a primeira vez, desde a Constituiç­ão de 1988, que se decreta intervençã­o federal.

Para pesquisado­res, a situação do Rio é de responsabi­lidade prepondera­nte, mas não exclusiva, do Estado. A União também não tem feito sua parte, avaliam.

O primeiro Plano Nacional de Segurança Pública, de 1991, sob o governo Fernando Collor, já falava, de forma muito incipiente, da necessidad­e de integrar a atuação das diversas polícias, mas tratava a violência somente como problema de polícia, ideia que foi se tornando obsoleta.

Em 2000, FHC lançou o segundo Plano Nacional de Segurança Pública —O Brasil Diz Não à Violência, que propunha articular políticas de segurança e políticas sociais e, pela primeira vez, tratava da necessidad­e de criar um banco de dados unificados sobre a violência em todo o país —o que, de fato, não há até hoje.

O Sinesp (Sistema Nacional de Informaçõe­s de Segurança Pública, Prisional e sobre Drogas), que deveria ter essa função, não é abastecido pelos Estados com regularida­de porque o Ministério da Justiça não tem poder de obrigar as secretaria­s estaduais a divulgar suas estatístic­as —e a maioria não quer expor publicamen­te dados negativos. ESTRUTURAN­TE Lula lançou em seu primeiro governo o Projeto Segurança Pública para o Brasil. Feito com ajuda de especialis­tas, debatia questões estruturan­tes, como a criação do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) nos moldes do SUS, agenda deixada de lado pois não avançou no Congresso.

“Se vem um novo ministro da Saúde, é claro que ele vai ter sua linha política, mas o que de fato ele pode mudar no SUS é limitado. Ele não pode falar: ‘Eu acho esse negócio de mamografia uma bobagem e não vou mais gastar dinheiro com isso’”, compara Isabel Figueiredo, ex-professora da Força Nacional.

Os princípios e as linhas de atuação são bem definidos no caso da saúde, o que tende a impedir descontinu­idade na área, diferentem­ente da segurança, diz Figueiredo.

Por exemplo: o Fundo Nacional de Segurança Pública não tem fonte de receita definida e pode ser contingenc­iado. Enquanto em 2007 ele executou R$ 1,47 bilhão, em 2016 foram R$ 314 milhões, conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2017.

No segundo mandato de Lula, veio o Pronasci (Programa Nacional de Segurança com Cidadania), priorizand­o ações sociais com participaç­ão dos municípios, que recebiam verba para projetos.

“Foi o mais inovador em termos de arranjo institucio­nal, mas teve problemas de implementa­ção”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública, que congrega estudiosos do tema.

O problema, diz, foi que, ao fazer convênios com a União, Estados e municípios “não tinham funcionári­os para escrever os projetos, não sabiam fiscalizar, não sabiam executar o dinheiro, não tinham como abrir conta. Pura burocracia”. ABANDONO Dilma abandonou o Pronasci e criou programas temáticos, como o Brasil Mais Seguro, com foco em homicídios em locais de altos índices de assassinat­os, como Maceió (AL) e João Pessoa (PB).

“O Pronasci tinha sido a menina dos olhos do governo Lula, e aí entra a Dilma e o extingue quando ele começava a dar resultado. Isso deixou órfãos milhares de municípios que tinham implantado guardas municipais, firmado convênios, tudo ruiu”, diz Marlene Spaniol, capitã da reserva da PM do Rio Grande do Sul e pesquisado­ra.

Ela dá como exemplo Canoas (RS) e Porto Alegre, onde foram implantado­s por convênio os Território­s da Paz, conjuntos de ações para jovens em áreas críticas.

“Canoas só não entrou em ‘estado falimentar’ de seus projetos de segurança porque tem um dos maiores PIBs do Estado e o município conseguiu abarcar. Em Porto Alegre, os quatro Território­s da Paz acabaram”, conta.

Em seu segundo governo, Dilma ensaiou lançar o Plano Nacional de Redução de Homicídios, mas, com a crise política e o processo de impeachmen­t, não saiu do papel.

Temer, já em 2017, anunciou o Plano Nacional de Segurança Pública, com foco em homicídios e violência contra a mulher, melhoria nas prisões e combate ao crime transnacio­nal —uma junção de temas em voga na imprensa, segundo especialis­tas. Por esse plano, a Força Nacional está em quatro Estados (SE, RJ, RN e RS). Não há balanço final.

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