Folha de S.Paulo

Câmara deve votar mudanças em projeto hoje

- ALENCAR IZIDORO EDITOR-ADJUNTO DE “COTIDIANO” FABRÍCIO LOBEL ANGELA BOLDRINI

DE SÃO PAULO

Motoristas ligados à Uber fizeram 500 milhões de viagens no Brasil nos últimos seis meses, a mesma quantidade acumulada nos três anos e meio anteriores.

A disseminaç­ão desse tipo de transporte também atingiu outros aplicativo­s —e levou a chinesa Didi Chuxing, que desbancou a Uber na China, a adquirir a brasileira 99 neste ano, num negócio de mais de US$ 1 bilhão.

A aposta da Uber no Brasil a partir de agora, no entanto, estará atrelada às normas fixadas para os serviços pela Câmara dos Deputados, diz Dara Khosrowsha­hi, 48, CEO (presidente-executivo) da Uber, em entrevista concedida por telefone à Folha.

Qualquer empresa assume riscos e há um “mercado promissor” no país, afirma ele, mas tudo está condiciona­do às restrições que podem voltar à pauta dos deputados nesta terça (27) —como as exigências de só atuar na cidade de registro do carro, de ter placa vermelha e de os motoristas serem os donos dos veículos.

“O nível do investimen­to, obviamente, depende dessa regulação”, diz, numa crítica à imposição de regras que possam burocratiz­ar os serviços.

Engenheiro elétrico nascido no Irã e criado nos EUA, Khosrowsha­hi assumiu a Uber em agosto de 2017, após uma série de escândalos envolvendo a empresa —de acusações de tolerância com episódios de assédio sexual e moral a alegações de roubo de segredos comerciais da tecnologia de veículos autônomos.

Na semana passada, sob a justificat­iva de que não há regras claras e de que não colocaria seu negócio sob risco, a Uber decidiu encerrar as suas atividades no Marrocos.

Khosrowsha­hi diz que a situação no Brasil (2º maior mercado da empresa no mundo, atrás dos EUA) parece distante disso. “Seria um resultado trágico que eu não antevejo, mas às vezes essas coisas acontecem pelo mundo.”

Os projetos da Uber incluem outros modelos de transporte, como um sistema com bicicletas pensado para cidades como São Paulo, e a tecnologia dos “carros voadores” —com pousos verticais e que Khosrowsha­hi projeta no mercado em até dez anos. Folha - Em que medida a Uber depende da decisão da Câmara dos Deputados? O serviço no Brasil pode ser suspenso dependendo dessa regulação?

Dara Khosrowsha­hi - Qualquer operação nossa, incluindo o Brasil, exige parcerias não só com governos locais, mas com motoristas e usuários vinculados ao aplicativo. De modo geral, nosso diálogo com o Senado e o governo brasileiro melhorou ultimament­e. A Uber planeja investir no Brasil mesmo com o risco de mudança das regras?

Todo negócio traz riscos. No Brasil, na última semana, nós ultrapassa­mos a marca de 1 bilhão de viagens. A companhia demorou três anos e meio para alcançar meio bilhão de viagens e outros seis meses para alcançar mais meio bilhão. Portanto, o negócio tem crescido muito no Brasil.

Na medida do possível, vamos continuar investindo no Brasil. O nível do investimen­to, obviamente, depende dessa regulação. Podemos continuar sendo uma força econômica positiva no país não só com os impostos pagos, quase R$ 1 bilhão em 2017, mas também com os mais de 500 mil motoristas que trabalham com nossa plataforma em época de turbulênci­a econômica. Como foram as conversas com os parlamenta­res?

Temos tido contato com diversos agentes no governo, deputados e senadores nos últimos anos. O texto que o Senado enviou à Câmara reflete o balanço apropriado. Uma regulação que traga a segurança de motoristas e usuários, mas também a abertura que garanta que a tecnologia continue avançando. A chinesa Didi Chuxing adquiriu recentemen­te a 99 e decidiu investir bastante no país. A Uber está perdendo espaço para a empresa rival no Brasil?

Achamos que ainda é muito cedo. Qualquer mercado atrativo irá atrair competição, o que nos fará melhor.

Nós investimos significat­ivamente no Brasil por anos. Temos 77 pontos de apoio a motoristas, cinco escritório­s no país e recentemen­te investimos mais de R$ 200 milhões em um call center de excelência na América Latina.

Respeitamo­s a 99 e o investimen­to da Didi, a posição competitiv­a deles, mas não acho que eles estejam tão dedicados ao Brasil há tanto tempo como nós estamos.

Nossa visão do Brasil é de um mercado muito promissor, queremos nos dedicar a ele, desde que o ambiente regulatóri­o nos permita continuar investindo no país. Pretendemo­s continuar a investir não só em tecnologia, talvez possamos contratar engenheiro­s. Uma agência de trânsito em Boston fez uma pesquisa sugerindo

A Câmara dos Deputados deve votar nesta terça (27) o projeto de regulament­ação do aplicativo de transporte Uber e seus similares. O texto, que foi aprovado na Casa em abril de 2017, voltará a ser analisado após ter sido aprovado com mudanças no Senado em outubro.

Os senadores retiraram do texto aprovado pelos deputados quatro pontos: a obrigação da placa vermelha, exigência de que os motoristas sejam proprietár­ios dos carros, possibilid­ade de regulament­ação pelas prefeitura­s que Uber e Lift [concorrent­e americana] tiravam pessoas de transporte­s públicos e acrescenta­vam novas viagens nas ruas. Em Nova York há a discussão de que empresas como Uber possam deixar o trânsito mais lento. Como o sr. rebate o argumento de que a Uber pode piorar o trânsito?

Acredito que os dados nessa área ainda são novos e ainda estão em desenvolvi­mento. Eu diria que toda vez que se introduz uma tecnologia nova e acessível, toda vez que se introduz mobilidade, haverá o aumento da demanda.

O fato de a Uber ser um serviço convenient­e que provê ganhos a diversos motoristas, isso toma certo volume [de e restrição de atuação ao município onde o veículo está registrado.

A análise do PL 5.587/16 no plenário da Câmara é o segundo item da pauta prevista para a sessão de terça.

O projeto, polêmico, é alvo de protestos tanto de taxistas como de motoristas de aplicativo­s.

O deputado Carlos Zarattini (PT-SP), um dos principais defensores da posição dos taxistas, afirmou que o partido tentará recolocar na lei todos os trechos retirados pelos senadores. “Elas [as empresas de aplicativo­s] querem manter a exploração dos trabalhado­res”, afirmou.

O texto aprovado na Câmara agradou à categoria dos taxistas, ao passo que o que foi votado pelo Senado é considerad­o mais “pró-Uber”. passageiro­s] de outros meios de transporte, é inevitável.

Estamos investindo agressivam­ente em tecnologia­s como Uber Pool, que permite mais de um passageiro compartilh­ar um carro. Essa modalidade tira carros das ruas e diminui congestion­amentos.

Em São Francisco, introduzim­os uma tecnologia que queremos disseminar pelo mundo na qual abrimos a nossa plataforma para outros meios de transporte, incluindo bicicletas. Esperamos ver essa tecnologia mundialmen­te implantada, o que inclui o Brasil e a cidade de São Paulo.

Ajudar a combater o problema dos congestion­amentos é parte da nossa missão. A Uber tem trabalhado em projetos de carros autônomos (sem motorista) e voadores (Uber Elevate, aeronaves leves capazes de pousar e decolar na vertical). O quanto tudo isso ainda está distante?

Essas são tecnologia­s muito estimulant­es e caras. Acreditamo­s que a tecnologia dos carros autônomos estará nas ruas dentro de um ano, em uma escala muito reduzida e com base comercial somente nos Estados Unidos.

O Uber Elevate é uma outra história. As cidades se tornaram verticais, devido aos seus prédios comerciais e arranhacéu­s. Acreditamo­s que o transporte também será vertical. Precisarem­os usar o céu para tirar os carros da rua.

Achamos que o primeiro modelo com decolagem e pouso vertical sairá em cinco anos. E para que eles estejam completame­nte prontos para operarem comercialm­ente, entre cinco a dez anos. A Uber se envolveu nos últimos anos em escândalos pelo mundo, de relatos de assédio sexual a estratégia­s agressivas de competição empresaria­l...

Acredito que parte das críticas sobre nossa atividade no passado é justificad­a e uma das minhas primeiras ações ao me tornar CEO foi introduzir novos valores culturais. E uma das novas regras mais importante­s é: nós fazemos a coisa certa, ponto. Podemos nos tornar uma empresa de sucesso, mas também uma empresa a se orgulhar. No Brasil, há críticas sobre a falta de transparên­cia nos dados da empresa. A Uber abriria seus dados para ajudar São Paulo a planejar o trânsito?

Queremos ser muito atenciosos com a privacidad­e dos nossos usuários e motoristas, mas seremos muito mais abertos a abrir informaçõe­s com as autoridade­s das cidades nas quais operamos. Por exemplo, para encontrar soluções conjuntas para ajudar no tráfego. Então, esse é o tipo de parceria para a qual certamente estamos abertos. Sendo o Brasil um mercado tão importante para nós, isso é algo para o qual estamos dispostos a desenvolve­r, dentro de determinad­as circunstân­cias. Recentemen­te, a Uber suspendeu suas operações no Marrocos. De que maneira o quadro é comparável ao do Brasil?

Uma vez que estamos em um país, esperamos regras claras em que a tecnologia possa prosperar e os motoristas possam ter a oportunida­de de ganhar a vida. Algumas cidades e países querem avançar e usar o poder da tecnologia, enquanto outras olham para trás. Enquanto nosso negócio é global, em último caso uma abordagem local depende de um ambiente regulatóri­o específico.

Marrocos é um exemplo de como nós não tínhamos clareza, e não estávamos dispostos a colocar nossos parceiros motoristas e nosso negócio em risco por lá. Decidimos que tínhamos que sair. Acho que [o Brasil] está longe desta circunstân­cia. Seria um resultado trágico que eu não antevejo, mas às vezes essas coisas acontecem pelo mundo.

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