Folha de S.Paulo

Consertand­o o estrago do ‘jeitinho’

- SUZANA HERCULANO-HOUZEL

NÃO, TEM coisa que só o tempo não cura: é preciso enfiar o dedo e fazer doer para ficar bom de novo. Aprendi da pior maneira possível.

Um ano e meio atrás, feliz nova usuária de óculos progressiv­os, pisei em falso descendo a calçada e quase me estabaquei. Antes tivesse tomado o tombo: amparei todo o peso de surpresa na perna direita e, agora sei, rasguei essencialm­ente todos os tendões que prendem os músculos de trás da perna à bacia. Vi estrelas, fiquei com um baita hematoma na coxa e os movimentos limitados. Levantar da cadeira? Só devagarzin­ho. Correr, nem pensar.

Um ano depois, pensando que o tempo teria resolvido o assunto, fui dar uma corridinha para aproveitar um sinal aberto... e a perna não foi. A dor voltou com tanta fúria que eu rapidament­e, sim —mas, se deixadas ao sabor do tempo, crescem de qualquer jeito, amontoadas, desorganiz­adas. Como os neurônios do cérebro, elas somente tomam forma e ficam alinhadas se usadas com sucesso: no caso, se forem submetidas repetidame­nte à tensão no sentido certo, contra o encurtamen­to aprender a massagear os tendões profundos com meu próprio peso sobre uma bola de tênis. Isso aumenta a circulação no tecido e o deixa pronto para a segunda etapa: alongament­o passivo, seguido de lições para... aprende a usar rotas alternativ­as: ficar de pé somente na perna boa, usar outras combinaçõe­s de músculos para andar, manter a perna contraída de maneiras até então impensadas para evitar mais tensão nos tendões. Resultado: o “jeitinho” começa a causar dor constante.

De fato, a fisioterap­euta descobriu que eu estava usando vários músculos para levar a perna para trás —menos os músculos corretos. O tratamento? Reeducar o cérebro. “Contrai este músculo aqui”, me diz até recuperar a força. O jeitinho é o diabo... SUZANA HERCULANO-HOUZEL suzanahh@gmail.com

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