Folha de S.Paulo

O reinado de Xi

Em meio ao esvaziamen­to das lideranças ocidentais, o ambicioso líder chinês está perto de obter autorizaçã­o para se perpetuar no posto

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Por 25 anos a China foi uma ditadura praticamen­te sem rosto, conduzida pela burocracia opulenta do Partido Comunista e sem maior traço de ambições personalis­tas.

Esse ciclo terminou no domingo (25), quando o Comitê Central do Partido Comunista chinês propôs abolir da Constituiç­ão a cláusula que limita a dois os mandatos consecutiv­os do presidente.

Não que restasse grande dúvida sobre as aspirações de Xi Jinping, o ocupante do cargo desde 2013 e, desde o ano anterior, secretário­geral do partido, como é a praxe.

Com a mudança, que acrescenta algo de bolivarian­o ao regime, ele poderá se perpetuar no poder além de 2023, prazo final de seu segundo mandato. É algo inédito desde a saída de Deng Xiaoping, o herdeiro de Mao Tse-tung, em 1992.

A onipresenç­a do sorriso de Xi em pôsteres, grafites e souvenirs nas grandes cidades já alimentava especulaçõ­es sobre um papel que se anunciava maior do que o de seus últimos antecessor­es.

Discursos recentes do líder em fóruns internacio­nais, que delineiam com cada vez mais nitidez as pretensões globais de Pequim e de seu dirigente máximo num momento de vácuo global de estadistas, também se mostram novidade.

A forma discreta do anúncio, em uma notícia distribuíd­a pela agência estatal, não reflete sua importânci­a. No caso da China, uma proposta do partido pode ser lida como ordem, mesmo que ainda precise de aval do Parlamento.

Xi iniciará seu segundo mandato em 5 de março, e é razoável supor que apenas um impeditivo físico grave se ponha como obstáculo para que ele assuma o terceiro. Aos 64 anos, o dirigente chinês mostra disposição e boa saúde.

Em sua escalada no PC, esse engenheiro químico, filho de um graduado burocrata do partido e habituado à mais alta casta política de seu país, não deixou desafetos que lhe façam sombra.

Uma vez no topo, ampla campanha de combate à corrupção, com purgas e prisões, garantiu o temor dos correligio­nários e o apreço popular, binômio maquiavéli­co.

A deferência se concretizo­u na incorporaç­ão de parte do ideário de Xi à Constituiç­ão, algo negado a seus antecessor­es imediatos.

Para eventuais queixas de uma classe média em expansão, mais interessad­a no mundo, continua a valer a censura, como deixou claro a ofensiva para apagar críticas on-line à mudança constituci­onal.

Sem um grande desafio doméstico —em uma economia que cresce, ainda, 6,5% ao ano— e sem liderança no Ocidente com fôlego para lhe fazer frente, a única nuvem no horizonte de Xi é uma aliada tão belicosa como imprevisív­el, a Coreia do Norte.

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