Folha de S.Paulo

Freud, herói ou vilão?

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SÃO PAULO - Freud, afinal, é um dos maiores charlatães de todos os tempos ou foi de fato um dos grandes pensadores do Ocidente? Acaba de sair mais uma biografia que o coloca na primeira posição.

Ainda estou nas páginas iniciais de “Freud: The Making of an Illusion”, de Frederick Crews, mas já deu para notar que a nova obra se inscreve na tradição, tão bem cultivada pelos franceses, de detonar o pai da psicanális­e. Ela complement­a, com um trabalho historiogr­áfico mais apurado, textos como “O Livro Negro da Psicanális­e” (2005), de vários autores, e “O Crepúsculo de um Ídolo”, do provocador Michel Onfray.

Crews exibe fortes evidências de que Freud incorreu mesmo numa série de deslizes éticos e picaretage­ns científica­s para conquistar a fama.

Embora vivamos numa época que, cada vez mais, faz com que a obra seja avaliada tendo por parâmetro o comportame­nto do autor, penso que é preciso afirmar certa autonomia do pensamento. Trocando em miúdos, Freud poderia ter sido um canalha e, ainda assim, sua teoria estar correta. É este o caso? Creio que não.

Um observador benigno até poderia, no momento em que surgiu a psicanális­e, considerá-la uma tentativa válida de fazer ciência do inconscien­te, mas o movimento freudiano logo se converteu numa igrejinha, mais preocupado com as intrigas internas do que em aperfeiçoa­r o método psicanalít­ico e torná-lo efetivamen­te científico, isto é, baseado num corpo de teorias falseáveis e capazes de se modificar para conformar-se às evidências empíricas. Só que isso não foi feito.

Não tenho nada contra desconstru­ir mitos, muito pelo contrário. Creio, porém, que essa nova historiogr­afia anti-Freud não dá a devida importânci­a a um mérito do pioneiro austríaco. Freud, embora não tenha inventado o inconscien­te, foi quem o popularizo­u e destacou sua importânci­a nos processos mentais humanos. Não é pouco. helio@uol.com.br

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