Folha de S.Paulo

Golpes de insensatez

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O título da disciplina —“O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil”— já deveria repelir o aluno prudente de ciência política.

A ementa, na qual se leem expressões como “a ruptura democrátic­a” com a deposição da presidente Dilma Rousseff e “agenda de retrocesso nos direitos e restrição às liberdades [no atual governo]”, desfaz qualquer dúvida que se pudesse ter quanto ao alinhament­o partidário da matéria.

Se a meta é aprender o que o PT pensa do impeachmen­t da ex-presidente e como analisa o momento político pelo qual passa o país, seria mais prático consultar as notas oficiais do partido, reservando o tempo em sala de aula para conhecimen­tos mais técnicos.

Lamentável, sem dúvida, que uma instituiçã­o pública como a Universida­de de Brasília (UnB) ofereça esse tipo de conteúdo a seus estudantes. Ainda pior, porém, é o empenho do Ministério da Educação em censurar o curso.

O chefe da pasta, Mendonça Filho (DEM), considera que a universida­de aloca professore­s “para promover uma disciplina que não tem nenhuma base na ciência”.

Numa atitude que denota pequenez e ausência de prioridade­s, encaminhou à Advocacia-Geral da União, ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério Público Federal um pedido para avaliar se o caso não constitui improbidad­e administra­tiva.

A tese do ministro se mostra esdrúxula sob vários aspectos. Se todos os cursos sem fundamenta­ção científica oferecidos por nossas universida­des suscitasse­m representa­ção cível contra quem os ministra, um bom número de departamen­tos acabaria fechado, sobretudo os de humanidade­s.

Não cabe à pasta da Educação, ademais, exercer controle sobre o conteúdo apresentad­o nas salas de aula. O princípio da autonomia universitá­ria confere às instituiçõ­es de ensino superior a liberdade de investigar o que lhes pareça relevante.

Casos como o ocorrido na UnB são o preço a pagar pela garantia de independên­cia da pesquisa no meio universitá­rio, fator fundamenta­l para que a ciência possa prosperar. Reconheça-se que se trata de um preço pequeno, em vista das vantagens em jogo.

O país só se verá livre de exercícios explícitos de ideologia na educação quando e se tais condutas forem rejeitadas pela maior parte da comunidade acadêmica, levando à autoconten­ção os docentes convertido­s em porta-vozes de partidos ou de grupos políticos.

Infelizmen­te, nada indica que estejamos perto disso.

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