Folha de S.Paulo

O andar de cima e a segurança

- ELIO GASPARI

UM RENOMADO cirurgião plástico de Nova York, republican­o radical, acabara de informar que não poderia dar consultas na quartafeir­a porque deveria atender policiais que precisavam de seus serviços. Esse médico é inimigo de qualquer coisa que o Estado faça, inclusive cobrar pedágios. Deu-se então o seguinte diálogo:

—Você tem muitas clientes latinoamer­icanas, com maridos ricos que pensam parecido contigo.

—De jeito nenhum. Eu sou conservado­r. Vocês são fascistas.

O cirurgião opera policiais e seus familiares porque pertence a uma associação particular destinada a ajudá-los. Ele pode ter exagerado, mas acertou num ponto: o andar de cima latino-americano acha que pode cuidar da própria segurança, blindando-se, contratand­o guardas e tolerando milícias.

No Rio há mais carros blindados do que em Nova York e deu no que se vê. Ou há segurança para todo mundo, ou não há para ninguém. da polícia. Não passa pela cabeça de ninguém viver num lugar onde a polícia está sucateada material, financeira e socialment­e.

Começando pelo Rio, pode-se sair da dança de perus bêbados na qual não há segurança porque não há polícia e não há polícia porque nem ela tem segurança.

O andar de cima pode abrir, sem fanfarra, uma discussão para criar um fundo de assistênci­a aos policiais civis e militares. Funcionari­a assim: um fundo destinado a financiar policiais com bônus de desempenho, complement­os no acesso à casa própria e à educação.

Poderia também complement­ar aposentado­rias e oferecer serviços médicos especializ­ados. Esse fundo ficaria anexo a uma associação à qual os policiais adeririam voluntaria­mente. Seria uma iniciativa estritamen­te privada, sem nada a ver com o governo, nada mesmo. Nem irregulari­dade, seria desligado da associação, perdendo os benefícios que porventura estivesse recebendo.

Se uma denúncia do Ministério Público é pouco, pode-se pensar em outros mecanismos de correição. Na outra ponta, as empresas e os cidadãos abonados colocariam seu dinheiro no fundo por prazos fixos, renováveis a juízo do interessad­o. A engenharia financeira e jurídica dessa iniciativa pode ser desenhada em menos de uma semana.

A adesão e a permanênci­a de um policial nessa organizaçã­o viriam a ser um distintivo de boa conduta. Seria uma fórmula capaz de levar a Lei de Serpico para dentro das polícias e denunciou esquemas de corrupção no serviço, mas deu em nada. Suas queixas apareceram na imprensa, e o prefeito da cidade criou uma comissão para estudar o assunto.

Meses depois Serpico foi atraído para uma armadilha, tomou um tiro na cara e seus colegas deixaramno agonizando. Um cidadão que viu a cena salvou-o. Isso aconteceu em Nova York em 1971.

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