Folha de S.Paulo

Mandato duplo para o BC, contemplan­do meta para a inflação e para desemprego, é uma péssima ideia

- COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank; domingo: Samuel Pessôa

A AUTONOMIA do Banco Central retornou à ribalta como parte da “Agenda 15”, um conjunto de medidas que o governo pretende tornar prioritári­as agora que a reforma previdenci­ária foi definitiva­mente legada à próxima administra­ção.

Nesse contexto voltou ao debate um possível mandato duplo para o BC, contemplan­do não apenas a meta para a inflação mas também outra para desemprego. Trata-se de uma péssima ideia, apesar da aparente nobreza de propósito.

A destacar, em primeiro lugar, a diferença entre independên­cia e autonomia no caso do BC. Embora ambas requeiram a fixação de mandatos para os dirigentes da instituiçã­o (tipicament­e alternados com mandatos presidenci­ais), um BC independen­te pode escolher seus próprios objetivos, enquanto no segundo caso a liberdade da instituiçã­o se limita à decisão sobre os meios para atingir objetivos determinad­os pelo Executivo. poderia determinar qual sua meta para a inflação, bem como tomar as decisões de política monetária que acredita corretas; no caso da autonomia, o executivo fixa a meta, e o BC, à luz disso, determina a trajetória de taxas de juros coerente com o objetivo. A discussão no Brasil aponta para o segundo arranjo.

Imagine agora um Banco Central autônomo a quem o executivo determina dois objetivos: uma meta para a inflação e outra para a taxa de desemprego, ainda que o BC tenha apenas um instrument­o: a política monetária (a taxa Selic).

O problema é que há uma troca de curto prazo entre a inflação e desemprego, embora esta não persista no longo prazo. Caso o Banco Central busque uma taxa de desemprego menor do que a coerente com a inflação na meta, acabará fazendo com que esta se acelere.

A aceleração inesperada pode reduzir salários reais e induzir empresas a contratar mais, reduzindo o desemprego, mas, à medida que a expectativ­a de inflação mais elevada se incorpora às demandas salariais, esse efeito desaparece e, no fim da história, teremos apenas inflação de desemprego. Pelo contrário, quando o BC tiver que trazer a inflação de volta à meta, haverá aumento de desemprego até que a inflação e as expectativ­as convirjam, como bem ilustrado pela nossa experiênci­a recente.

Por outro lado, se o Banco Central optar apenas pela meta de inflação, sua diretoria terá de lidar permanente­mente com a ameaça de sanções por ignorar a outra perna do mandato. Não é difícil concluir que, sob tal cenário, a autonomia do Banco Central ficaria comprometi­da.

Pode-se, claro, apontar para o arranjo institucio­nal do Fed (Federal Reserve), cujo mandato abarca a inflação, não para o desemprego nem para taxas de juros, como expresso aqui: goo.gl/dx5hhs.

As práticas internacio­nalmente consagrada­s apontam para a inflação como o objetivo do Banco Central. Em que pese a preferênci­a nacional pelas jabuticaba­s, ao menos nesse caso poderíamos tentar aprender com os erros dos outros, já que com os nossos não parecemos aprender jamais. ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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