Divisão entre conteúdo e tecnologia, não existe mais, afirma executivo
É inegável o sentido de urgência em qualquer debate relacionado à chamada Quarta Revolução Industrial, mas as discussões eclipsam um fato: a tecnologia que vai acelerála ainda não chegou ao mercado. Trata-se do 5G, capaz de conectar internet ultrarrápida a todo tipo de coisa.
Ainda que demonstrações pontuais tenham sido feitas —a mais recente na Olimpíada de Inverno, neste mês—, a previsão é que o processo comercial comece apenas no ano que vem. A definição técnica do padrão aconteceu apenas recentemente.
Além disso, a própria GSMA, a entidade que congrega as teles, prevê que a expansão será mais lenta que a do 4G, a tecnologia mais avançada hoje, por falta de investimentos em rede e incertezas operacionais em vários países.
Tema do Fórum Mundial de Davos há dois anos, a Quarta Revolução Industrial tem protagonizado discussões no Mobile World Congress, principal feira do setor de telecomunicações, que ocorre nesta semana em Barcelona.
No evento, a melhor síntese sobre a revolução talvez tenha sido feita por Sue Siegel, principal executiva de inovação da GE. Ela elencou três pontos:
1 - a economia passa de um modelo centralizado para um distribuído. “Você recebia energia elétrica de uma central; agora pode instalar um painel solar.”
2 - investimento (o capex, no jargão administrativo) perde força em relação a gasto operacional (o chamado opex). “Um exemplo é a Uber. Você compra a viagem, não o carro.”
3 - aparelhos estáticos dão lugar aos conectados. “É dado sobre dado, para todo lado.”
A primeira Revolução Industrial começou no século 18, impulsionada pela máquina a vapor. A segunda, na virada do século 19 para o 20, teve como símbolos a eletricidade e o telefone. A terceira, a partir do fim do século 20, gravitou em torno do computador pessoal e da internet.
O ciclo que está a ponto de começar deverá se basear em inteligência artificial, inter- 2019 2020 2021 2022 net das coisas, robôs, drones e sensores.
“Uma questão-chave da Quarta Revolução é que ela acontece enquanto todas essas tecnologias estão surgindo e colidindo entre elas”, afirma Mohamed Kande, vice-presidente da PwC.
Uma das consequências esperadas é que fiquem ainda mais borradas as fronteiras entre as indústrias —como as antes demarcadas entre empresas de tecnologia e as de mídia ou bancárias.
De modo a demonstrar esse sentido de urgência dos novos tempos, o Mobile World Congress deste ano elencou como principal nome de sua programação o piloto Fernando Alonso, bicampeão da F-1, justamente num debate sobre a Quarta Revolução, nesta terça (27).
Laboratórios históricos de tecnologias que acabam chegando ao dia a dia, os carros 2023 2024 2025 de F-1 conhecem há tempos um elemento que passará a ser central para a indústria: a comunicação maciça de dados da máquina para uma central distante.
“Alonso vive no 5G há 17 anos”, brincou Zak Brown, diretor-executivo do Grupo McLaren, numa referência ao tempo de carreira do piloto na F-1.
Mas também aí está um exemplo de como no mundo real a coisa ainda não vai tão engrenada assim.
A conexão firme de veículos a outros aparelhos ainda está no estágio de ser exemplo de estande de feiras, como demonstra o caso levantado por Chuck Myers, CEO da Airgain, empresa especializada no assunto.
“Vi aqui em Barcelona demonstrações de carro que vai a uma garagem, troca de redes e a conectividade não muda”, explicou.
DO ENVIADO A BARCELONA
A convergência entre conteúdo e tecnologia chegou a tal ponto que há quem diga que não há mais linha nenhuma a separar um lado e outro.
É o caso de Mark Britt, CEO da iflix, uma espécie de Netflix dos países emergentes. Criado em 2014 na Malásia, o serviço se expandiu pelo Sudeste Asiático e pelo Oriente Médio, somando mais de 6 milhões de assinantes.
As páginas de interação com o usuário, editadas inteiramente por algoritmos, são prova disso, afirma ele. O que não quer dizer que a curadoria esteja congelada pela matemática —mas também a evolução dela está submetida aos números da audiência.
“Faço e aprendo, faço e aprendo”, disse Britt durante o Mobile World Congress.
A seu lado, um executivo do Facebook foi um pouco mais cauteloso. Tanto a produção tradicional de conteúdo quanto os algoritmos são importantes no que é entregue para o consumidor, defendeu Jason Juma Rossa, diretor de estratégia de tecnologia e telecomunicações da empresa para a Ásia. “É como querer fazer uma distinção entre parte direita e parte esquerda do cérebro.”
A discussão atravessou mais de um debate no evento. Em uma mesa nesta terça-feira (27), o diretor do Story[X], o laboratório de inovação do jornal “The New York Times”, disse que a fusão já é realidade.
“Não há uma diferença clara entre máquinas e pessoas”, disse Marc Lavallee. “Recebo uma mensagem de um robô, e isso pode ser uma máquina, ou ao menos parcialmente uma máquina. Nós Somos [o “NYT”] cada vez mais uma empresa de tecnologia.”
Dois exemplos vistos na feira são ilustrativos dessa mistura entre conteúdo e tecnologia —sem que necessariamente a segunda tome o lugar do primeiro.
Um deles é o da BT, antigamente conhecida como British Telecom.
Há cinco anos, a empresa criou a BT Sport, divisão para competir no mercado de compra de direitos de transmissão de eventos esportivos, área em que os investimentos precisam ser robustos.
Outro é o da Jukin Media, que se especializou em descobrir vídeos “que estão a ponto de viralizar”, como definiu a diretora Jean Coffey.
Para isso, a empresa desenvolveu técnicas para calcular o potencial do conteúdo, contatar o dono dele, remunerá-lo de alguma forma e a partir daí monetizar esse material. (RD)