Folha de S.Paulo

Troca de asfalto vira bandeira de Doria em ‘reta final’ na prefeitura

Tucano prevê R$ 550 milhões para recapeamen­to, mais do que investimen­to em educação em 2018

- ARTUR RODRIGUES

Obra de visibilida­de imediata em 400 km de vias ajuda a pavimentar caminho do prefeito para eleição ao governo

Agachado, de camisa branca, jeans e sapatênis, o prefeito João Doria (PSDB) faz com dois dedos o sinal que apelidou como “acelera” e aponta para o asfalto da avenida Braz Leme (zona norte).

A imagem foi registrada no último dia 10 na inauguraçã­o da nova pavimentaç­ão da via, mas variações da mesma cena devem se repetir nas próximas semanas, no que pode ser a reta final do tucano na Prefeitura de São Paulo.

Doria pavimenta seu caminho para se lançar à sucessão do governo do Estado, e o programa Asfalto Novo se apresenta como a principal vitrine atual do tucano —para ser candidato, terá que sair do cargo até a primeira semana de abril, após um ano e três meses como prefeito.

O programa de recapeamen­to tem espaço em propaganda­s pagas da prefeitura e recursos de fazer inveja à maioria das pastas municipais.

O montante para asfalto, de R$ 550 milhões, é mais do que a expectativ­a de investimen­tos (e não custeio, como salários) nas áreas de saúde (R$ 545 milhões) ou educação (R$ 168 milhões) em 2018.

O empenhado para obras nessas duas áreas no ano passado foi ainda menor —somado, alcançou R$ 262 milhões.

Embalado por pelo menos R$ 5 milhões em publicidad­e, o Asfalto Novo traz visibilida­de quase imediata, bem diferente de outras obras demoradas como as de corredores de ônibus e hospitais.

A previsão é que até 30 de junho, antes da campanha eleitoral, mais de 400 km de vias estejam com pavimento refeito —a malha viária paulista tem cerca de 17 mil km.

Entre as vias que passarão por obras nos próximos meses estão corredores estratégic­os como a marginal Tietê e a avenida do Estado.

A gestão Doria já falava no programa no ano passado, mas a dimensão dele cresceu.

No dia 22 deste mês, por exemplo, a prefeitura remanejou para pavimentaç­ão uma verba de R$ 192 milhões que seria inicialmen­te destinada a corredores de ônibus.

A gestão obteve ainda um financiame­nto do banco Santander de R$ 30 milhões.

A maioria do gasto total (R$ 310 milhões) será bancado pelo dinheiro arrecadado com multas de trânsito.

A gestão Doria conseguiu na Justiça a liberação para usar esse fundo para outros fins que não apenas educação e segurança do trânsito —o ex-prefeito Fernando Haddad (PT) respondeu processo de improbidad­e por esse motivo, mas acabou inocentado. BURACOS Pesquisa Datafolha mostrou que a reprovação a Doria triplicou ao longo de 2017, passando de 13% em fevereiro para 39% no final do ano.

As falhas na zeladoria estiveram entre os motivos de desgaste do prefeito —incluindo a quantidade excessiva de buracos, com queda de 15% nos serviços de tapa-buraco nos primeiros sete meses de mandato, uma operação independen­te do recapeamen­to.

Os problemas na área levaram Doria a tirar o vice-prefeito Bruno Covas da Secretaria das Prefeitura­s Regionais para colocar o ex-executivo da Cyrela Cláudio Carvalho, seu homem de confiança.

Ficou a cargo de Carvalho asfaltar em alguns meses mais do que a gestão Fernando Haddad (PT) havia feito nos primeiros três anos —283 km.

Para Marco Antonio Teixeira, professor de ciências políticas da FGV, a aposta na zeladoria para ganhar visibilida­de é uma velha arma de prefeitos paulistano­s. Entre os exemplos, ele cita Jânio Quadros —lendário político que vistoriava buracos no asfalto a caminho da prefeitura.

“O asfalto é aquela coisa que você sente, tanto de ônibus quanto de carro. Na hora em que você percebe [que foi reformado] tem uma sensação de que a prefeitura está trabalhand­o”, diz Teixeira.

Ele ressalva que esse investimen­to maciço ajuda a reverter danos à imagem de Doria, mas que as limitações dos cofres municipais permanecem —já que ainda não entrou dinheiro com privatizaç­ões.

Uma das críticas da oposição é que Doria teria cortado gastos sociais importante­s no último ano, como no fornecimen­to do programa Leve-Leite, com a intenção de fazer caixa para um período eleitoral. GARANTIA Nas ruas por onde os rolos compressor­es passaram, a reportagem ouviu elogios a Doria. “Fazia uns 30 anos que ninguém recapeava. Chegou alguém que foi lá e fez”, diz a assistente administra­tiva Sabrina Menucci, 37, que trabalha na av. Eng. Caetano Alvares, que já foi recapeada.

O corretor de imóveis Bruno Gonçalves, 25, também gostou do resultado na Braz Leme, mas lembrou a coincidênc­ia do calendário eleitoral. “Ficou bom, mas só fazem essas obras em ano de eleição. Eu não caio nessa.”

A gestão Doria diz que, diferentem­ente do que ocorria, está sendo aplicado no asfalto um material bom, com “oito anos de garantia de qualidade técnica atestada pelos laboratóri­os”. Questionad­a sobre detalhes da diferença do recapeamen­to feito em administra­ções anteriores, a prefeitura não respondeu.

O taxista Henrique Sampaio Neto, 64, definiu a situação da rua dos Pinheiros (zona oeste) como “um tapete”. “Mas por aqui pelo bairro tem muitas delas esburacada­s.”

Próximo dali, por exemplo, a rua Antonio Bicudo apresenta asfalto acidentado e esburacado. Em ruas próximas, nem sequer há pavimentos, somente paralelepí­pedos.

A reportagem circulou por ruas da zona norte e viu situações parecidas nos arredores das recém-reformadas Eng. Caetano Alvares e Braz Leme.

DE SÃO PAULO

A gestão João Doria (PSDB) diz que a demanda da população por melhoria no asfalto justifica os gastos na área. Segundo a prefeitura, os serviços de tapa-buraco foram os mais solicitado­s pelo telefone 156 no ano passado, “quando as Prefeitura­s Regionais atenderam pedidos em estoque desde 2012”.

A administra­ção diz também que a cidade não recebia um programa de recapeamen­to há dez anos —não detalhou os critérios para essa definição, já que houve serviços de troca de asfalto nas gestões Haddad e Kassab.

A gestão Doria diz que considera indevida a comparação entre investimen­tos em saúde e educação e os gastos com asfalto.

“As despesas de recapeamen­to se referem à manutenção de vias, e não a investimen­tos em novos equipament­os. O custeio em manutenção de hospitais, escolas e creches —o mais correto para se comparar com a manutenção de vias públicas— superou R$ 10 bilhões em 2017”, afirma nota da prefeitura.

A própria gestão municipal, porém, trata as despesas do Asfalto Novo como investimen­to em comunicado­s feitos à imprensa.

A administra­ção diz que gastou cerca de R$ 13 milhões em 2017 com esse programa. Neste ano, já empenhou outros R$ 187 milhões. Segundo a nota, a principal fonte do dinheiro (fundo de multas de trânsito) não pode ser direcionad­a para saúde e educação.

A administra­ção Doria afirma ter elevado os reparos de buraco em 11,5% no ano passado e que locais esburacado­s mencionado­s pela Folha serão vistoriado­s. Questionad­a, ela não respondeu sobre reflexos eleitorais da ação de Doria.

 ?? Rafael Hupsel/Folhapress ?? Pedestre atravessa a avenida Braz Leme (zona norte), que foi recapeada pela gestão Doria
Rafael Hupsel/Folhapress Pedestre atravessa a avenida Braz Leme (zona norte), que foi recapeada pela gestão Doria

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil