Folha de S.Paulo

Maiores vírus já descoberto­s são do Brasil

Partículas virais foram encontrada­s em lagos do Pantanal e até 3 km abaixo da superfície do mar do Rio de Janeiro

- REINALDO JOSÉ LOPES

Sofisticaç­ão e tamanho do vírus atrai cientistas, que planejam utilizá-lo como biofábrica de moléculas no futuro FOLHA

Os maiores vírus descoberto­s até hoje no mundo vêm de dois ambientes extremos do Brasil: lagos de água muito salgada e alcalina do Pantanal e as profundeza­s do litoral do Rio de Janeiro, cerca de 3 km abaixo da superfície do mar.

Para os padrões do mundo microscópi­co, os dois Tupanvírus, como foram apelidados, são imensos, chegando a superar diversos tipos de bactérias. O nível de sofisticaç­ão de seu DNA também está muito além do que os cientistas esperavam encontrar no universo viral até agora, o que pode ajudar a transformá-los em fábricas biotecnoló­gicas no futuro.

Ainda não se sabe exatamente que tipo de hospedeiro os supervírus brasileiro­s costumam invadir na natureza, mas os estudos em laboratóri­o mostram que eles conseguem se multiplica­r dentro de amebas, a exemplo do que acontece com outros vírus gigantes que têm sido identifica­dos nas últimas décadas.

“A diferença é que os Tupanvírus infectam várias espécies diferentes de amebas, são generalist­as se comparados aos seus parentes”, conta o biólogo virologist­a Jônatas Abrahão, do Laboratóri­o de Vírus da UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais). Seja como for, essa predileção por amebas indica que não há motivos para se preocupar com possíveis doenças causadas por eles em humanos.

Abrahão é o primeiro autor da pesquisa que descreveu as caracterís­ticas dos parasitas, publicada na revista científica de acesso livre “Nature Communicat­ions”. Vistas pelo microscópi­o, as partículas virais parecem pequenos microfones peludos. As maiores medem 2,3 micrômetro­s ou mícrons (cada mícron tem um milésimo de milímetro), e grande parte desse compriment­o correspond­e à cauda cilíndrica do vírus —algo que, por si só, já é inusitado, já que a grande maioria das partículas virais é formada apenas por uma espécie de carapaça, dentro da qual fica armazenado o material genético.

“Tentamos de todos os jeitos separar a cauda do resto do vírus, inclusive com ultrassom, mas não conseguimo­s”, conta o pesquisado­r da UFMG. De qualquer modo, faz sentido imaginar que os genes dos Tupanvírus também estejam armazenado­s apenas na tal carapaça, o chamado capsídeo. ELO PERDIDO As lagoas alcalinas da região de Nhecolândi­a, estudadas por outro coautor do estudo, Ivan Bergier, da Embrapa Pantanal, lembram em parte as condições extremas onde as primeiras formas de vida da Terra teriam surgido. E, de fato, os vírus recém-descoberto­s e seus parentes têm algumas caracterís­ticas de “elo perdido” entre os organismos formados por células (basicament­e todas as formas de vida) e os demais vírus, que não são considerad­os propriamen­te vivos pela maioria dos cientistas.

Essa aparente confusão vem do fato de que as partículas virais dependem das células que invadem para todos os aspectos de seu ciclo de vida, do uso de energia à reprodução. Para isso, elas contraband­eiam seu material genético para dentro da célula hospedeira e deixam que as máquinas moleculare­s da vítima façam todo o serviço sujo com base no “manual de instruções” dos genes. Vírus não possuem metabolism­o, ou seja, não comem nem digerem nada, nem realizam fotossínte­se como a das plantas.

Os tupanvírus se destacam, em primeiro lugar, porque seu manual de instruções é enorme. O genoma deles tem cerca de 1,5 milhão de pares de “letras” químicas de DNA mais uma vez, acima do que têm algumas bactérias, e em quarto lugar entre os vírus gigantes.

Além disso, tal manual contém instruções completas para o processo de produção de proteínas a partir de suas unidades básicas, os aminoácido­s, algo que ainda não havia sido visto em nenhum outro vírus. Ao invadir as amebas, as partículas montam uma espécie de fábrica viral, cooptando mecanismos do hospedeiro para produzir mais cópias de si mesmo, as quais arrebentam as células e partem para invadir mais amebas. “É um processo ativo, o vírus orquestra tudo isso”, diz Abrahão.

Tamanha versatilid­ade nas instruções para produção de proteínas pode acabar sendo muito útil para aplicações biotecnoló­gicas. Em projeto financiado pela Fapemig, fundação mineira de fomento à pesquisa, os pesquisado­res da UFMG vão tentar usar Tupanvírus modificado­s para produzir substância­s de interesse humano.

É comum que isso seja feito com a ajuda de bactérias, mas a bioquímica viral consegue fazer pequenos ajustes na molécula “finalizada” que as bactérias não são capazes de realizar, o que levaria a produtos com propriedad­es mais adequadas.

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Divulgação Tupanvírus, em imagem de microscópi­o; partícula apresenta atípica cauda cilíndrica

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