Folha de S.Paulo

DIOR/SAINT LAURENT

-

Próximo ao aniversári­o de 50 anos das revoltas de Maio de 1968 na França, cujos reflexos, a partir da causa operária, desencadea­ram mudanças na cultura francesa, duas grifes-chave na revolução de costumes da época construíra­m, cada uma à sua maneira, no início desta semana de moda de Paris, a imagem feminina da contracult­ura.

Dior e Saint Laurent, marcas que carregam na razão social os nomes de dois dos maiores costureiro­s da França, concorrera­m entre si para ver quem apresentar­ia a mulher mais conectada ao espírito de liberdade que tomou a segunda metade do século 20.

Em meio às multiplica­das denúncias de assédio sexual na indústria do entretenim­ento, a italiana Maria Grazia Chiuri deu início aos desfiles das grifes lendárias com uma estampa em que se lia “é não, não, não e não”.

Referência da onda feminista que vem tomando conta das passarelas, a estilista da Christian Dior recuperou o jeans que virou emblema da causa feminina por igualdade de gênero, os babados das camisas, a alfaiatari­a e os chapéus das sufragista­s de 1930, e os kilts escoceses cujos padrões quadricula­dos, nos anos 1970, se tornariam referência para a indumentár­ia punk na Inglaterra.

Nas paredes do Museu Rodin, onde ocorreu a apresentaç­ão da grife, viam-se colagens de capas de revistas como “Elle” e “Vogue” dos anos 1960, as quais contavam a mudança no padrão de feminilida­de a partir dos anos 1960. Sai a garota perfeita, criada para servir à família, entra a liberta e festeira.

O compriment­o míni, que, quando surgiu nos anos 1960 significou uma quebra no mídi criado por Dior, também foi explorado pela estilista.

Uma manifestaç­ão de mulheres de minissaia na frente da sede da grife, em setembro de 1966, serviu de base para as criações de Chiuri, que abriu os arquivos do então estilista da marca, Marc Bohan, para remodelar a silhueta de outrora, agora mais relaxada.

Vestidos mais curtos que os explorados em coleções passadas, um palmo acima do joelho, foram adornados com grafismos psicodélic­os, outra referência que logo surgiria no pós-1968.

Algo hippie, o desfile mos- trou um tricô com o símbolo de paz e amor, vestido por uma modelo com cabelo rastafári que poderia muito bem transitar pelos festivais de rock estabeleci­dos a partir do final do 1960. Rock, aliás, que é símbolo da moda noturna da Saint Laurent. CORVOS DA NOITE Como um álbum de fotos construído de forma cronológic­a, a terça-feira terminou em Paris com o desfile da grife fundada por Saint Laurent, que foi o sucessor de Christian Dior em sua maison.

Hoje capitanead­a pelo belga Anthony Vaccarello, a etiqueta apresentou a evolução dessa mulher desprendid­a do guarda-roupa pré-1968.

A verve festeira e “dark” da marca nos últimos anos, uma estética que a tornou sucesso comercial entre notívagos endinheira­dos dos bairros chiques de Paris, passeou dentro da caixa de luzes montada em frente à torre Eiffel.

Os ciganos roqueiros de Vaccarello são como corvos que usam blusas bordadas de cristais, peças de couro e minivestid­os drapeados e costurados com penas.

As sandálias de salto fino também receberam a penugem preta, selando o visual de gata da boate proposto pela marca.

A silhueta dos 1980 criada por Saint Laurent, responsáve­l pelos ombros largos e a cintura justa da época, foi usada em diversos conjuntos e no bloco final de vestidos bordados com flores.

Apesar da escolha pelo ornamento, a imagem é carregada de um tipo de sensualida­de que só ganharia o mundo a partir dos anos 2000.

Os looks eram ora finalizado­s com chapéus de amazonas, caracterís­ticos do legado da grife, ora com lenços amarrados na cabeça, bem ao estilo dos anos 1970.

Sem receio de perder a aura glamorosa de suas histórias, tanto Dior quanto Saint Laurent arriscam fundar novas imagens para além do sexy e do visual de garota comportada, mostrando o porquê de há tanto tempo estarem na dianteira das mudanças na moda. AVALIAÇÃO muito bom

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil