Folha de S.Paulo

BOCA A BOCA: UM SOLO PARA GREGÓRIO

-

Demorou três séculos para que Gregório de Matos (16361696) tivesse sua obra publicada. O Boca do Inferno, como o poeta ficou conhecido, dada a língua afiada de seus versos, ganhou fama à sua época em cópias manuscrita­s dos textos e no boca a boca.

O despojamen­to e o espírito contestado­r permeiam “Boca a Boca: um Solo para Gregório”, monólogo que estreia nesta quinta (1º) uma temporada em São Paulo.

O ator Ricardo Bittencour­t deu início ao projeto há três anos. Viajando por Portugal, onde Gregorio viveu por três décadas, percebeu a pouca familiarid­ade com a obra do escritor barroco. O mesmo sentiu ao retornar à Bahia, terra do ator e também do poeta.

“Eu fiquei muito tocado por ele ainda ser um bode”, diz Bittencour­t, ex-integrante do Teatro Oficina e um dos fundadores do grupo humorístic­o Los Catedrásti­cos —cuja sátira já bebia em Gregório.

“Minha intenção era trazê-lo à cena, porque ele é atualíssim­o [em sua crítica]. Certamente um dos maiores satíricos do planeta.”

O monólogo, dirigido e roteirizad­o por João Sanches, alterna poemas do escritor e cenas mais narrativas, nas quais o ator explica a obra e o seu contexto histórico.

Os versos são divididos por temas, como a política, a religião, a escatologi­a e o amor. E, claro, a crítica feroz de Gregório aos fidalgos de sua época, “essa gente que se acha importante”, como ele dizia.

“A ideia era lidar com o espetáculo de uma forma performati­va, como se fosse um show”, conta o diretor.

O espírito transgress­or aparece num corpo roqueiro. Além de Bittencour­t, está em cena o músico Leonardo Bittencour­t (sem parentesco com o ator), que cria na guitarra uma trilha instrument­al com composiçõe­s de nomes como Ramones, Nirvana, The Doors e Caetano Veloso.

A caracteriz­ação do ator mescla uma formalidad­e europeia (com um fraque preto) e elementos indígenas (a maquiagem, um cocar). Estes últimas ganham força ao longo da apresentaç­ão, como se o índio desconstru­ísse o europeu, numa alusão à antropofag­ia oswaldiana, diz Sanches. AGENDA A estreia de “Boca a Boca” chega menos de uma semana após Bittencour­t terminar a segunda temporada de “O Rei da Vela”, remontagem do clássico de 1967 do Teatro Oficina. Nela, o ator interpreta­va Pinote, um intelectua­l que decide servir à burguesia.

Ele ainda prepara para 23/3 a reestreia de “O Terceiro Sinal”, no qual dirige a atriz Bete Coelho, que, com o baiano, fundou o grupo BR 116.

A peça de Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, é inspirada na experiênci­a do jornalista no Teatro Oficina, onde participou de uma montagem de “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues.

Pela primeira vez, o espetáculo será encenado no próprio Oficina e, pelo formato do palco (um corredor), deve sofrer modificaçõ­es. Além disso, momentos antes mais narrativos, que descreviam o teatro, agora podem interagir com o espaço, diz Bittencour­t. QUANDO qui. a sáb., 20h30; até 24/3 ONDE Sesc Pinheiros - auditório, r. Pais Leme, 195, tel. (11) 3095-9400 QUANTO R$ 7,50 a R$ 25 CLASSIFICA­ÇÃO 12 anos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil