Folha de S.Paulo

Piruetas de Lula

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Diante de um momento dificílimo em sua carreira, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez jus a sua reconhecid­a imagem de político habilíssim­o em entrevista concedida a esta Folha.

Como qualquer envolvido em sérias evidências de corrupção, proclama-se inocente, diz confiar nas instituiçõ­es e ser vítima da perseguiçã­o de seus adversário­s.

Há algo em Lula que se afasta, entretanto, da rigidez persistent­e ou do tom melodramát­ico com que outros investigad­os e condenados procuram negar os fatos.

Nota-se no ex-presidente um à vontade, um humor, um toque de intimidade na interlocuç­ão que, sem dúvida, poucos na situação seriam capazes de manifestar.

Ele pode beneficiar-se, ademais, do calor indiscutív­el que lhe transmite a persistent­e popularida­de.

Deriva daí, sem dúvida, o paradoxo que configura todo seu diálogo com a jornalista Mônica Bergamo. Lula estaria morto politicame­nte, como se diz, mas ainda assim vivíssimo; parece fora da realidade, mas ao mesmo tempo sente a realidade a seu favor. Resvala pelas mais patentes contradiçõ­es e cobre-as de irônica coerência.

É assim que, de um lado, investe nas delirantes versões de que a atuação do juiz Sergio Moro segue instruções de Washington, motivadas pelas riquezas do petróleo; ou de complôs da Polícia Federal, do Ministério Público e da imprensa.

De outro, refuta a ideia de que seria contrário à Operação Lava Jato; diz orgulhar-se de ter instituído, no governo, mecanismos eficientes de combate à corrupção —e tem boa dose de razão neste ponto.

Mas, se merecem elogio as instituiçõ­es, é quando prendem outros que não os petistas. Ressaltese, entretanto, que Lula abre uma exceção a seu ex-ministro Antonio Palocci Filho, “que demonstrou gostar de dinheiro”.

Aqui, o juiz Moro certamente não terá então agido por influência do governo americano.

O custo de tamanha ginástica implica atribuir as revelações sobre a conduta do presidente Michel Temer (MDB) a uma tentativa de golpe, como a que em sua visão atingiu Dilma Rousseff.

Temer seria mais uma vítima das conspiraçõ­es, do mesmo modo que os protestos de junho de 2013 consistira­m, quem sabe, em outra estratégia da CIA.

Sobre os favores que recebeu de empreiteir­as, Lula recusa-se a comentar seu aspecto ético; prefere, aqui, refugiar-se nas formalidad­es do campo jurídico.

Nesse vaivém vertiginos­o ele prossegue, esperando que a realidade política predomine sobre a realidade dos fatos —e que a esperteza triunfe sobre a lei. É popular, mas ilude cada vez menos. BRASÍLIA -

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