Folha de S.Paulo

RENOVAÇÃO COMO NEGÓCIO

INSTITUTO DE VEREADOR LIGADO A MOVIMENTOS DA SOCIEDADE CIVIL OFERECE PACOTE PAGO A CANDIDATOS RECRUTADOS POR ELES

- IGOR GIELOW

A renovação política, mote de uma miríade de movimentos da sociedade civil surgidos de 2016 para cá no Brasil, tem se provado uma oportunida­de de negócios.

Em São Paulo, por exemplo, uma figura de proa dos grupos Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabi­lidade) e RenovaBR abriu um instituto para oferecer consultori­a de campanha para potenciais candidatos no pleito de outubro.

Por R$ 261 mil, precificad­os detalhadam­ente em parcelas de fevereiro a setembro na tabela que encerra uma apresentaç­ão de 15 páginas, o IIP (Instituto de Inteligênc­ia Política) oferece aos potenciais candidatos estratégia política, assessoria jurídica e de comunicaçã­o, capacitaçã­o de equipes e serviços audiovisua­is, entre outros.

O IIP foi fundado pelo vereador Gabriel Azevedo (PHS), 31, de Belo Horizonte.

Em 2017, ele foi um dos responsáve­is por selecionar bolsistas do RenovaBR, fundo idealizado pelo empresário Eduardo Mufarej (Tarpon) e com apoio do apresentad­or Luciano Huck (Globo), para formação de lideranças políticas com ajuda financeira.

“No mercado, o serviço é muito caro para os candidatos”, disse ele, que é também professor da primeira turma de cem bolsistas do RenovaBR. “Um dos princípios da nova política é ser de baixo custo”, diz uma das bolsistas que recebeu a proposta do serviço do IIP, a administra­dora curitibana Natalie Unterstell, 35.

Azevedo, assim como Natalie, também é ligado à Raps, grupo criado em 2012 por Guilherme Leal, da Natura.

O empresário havia perdido a eleição de 2010 como vice na chapa de Marina Silva (então PV, hoje Rede), e transformo­u a Raps numa incuba- dora das startups políticas que florescera­m a seguir.

Saíram das hostes da Raps lideranças de grupos como Agora!, Acredito e Brasil 21.

Seu diretor-executivo, Marcus Vinícius de Campos, apoiou a fundação do IIP.

Ele inclusive cedeu uma sala no edifício em que funciona sua empresa de análise política aberta em 2016 com, entre outros, o secretário municipal paulistano Alexandre Schneider (Educação).

Ele também é diretor da Raps e está afastado do negócio com Campos.

“Acho ótimo, é fundamenta­l formar uma cooperativ­a de candidatos. O caminho é estruturar a campanha, e é possível fazer isso mais barato”, afirma Campos, 56.

Ele nega que esteja fazendo algum tipo de venda casada para os 208 “líderes” (membros graduados) da Raps que pretendem se candidatar neste ano.

“Isso seria conflito de interesse. Se houve algum erro, consertare­mos, mas ninguém quer ganhar com campanha. Tanto que eu não participo do IIP”, afirmou.

Em um email de fevereiro com proposta do instituto a que a Folha teve acesso, contudo, um funcionári­o do IIP fala que está sendo negociado um “termo de parceria” entre a entidade, a Raps e o RenovaBR. Azevedo e Campos negam isso.

Os personagen­s interagem. Uma das sócias de Campos na empresa de análise, a Intelligen­ce Bureau, é ex-funcionári­a da Raps e sócia de Azevedo, Roberta Moreno. A Folha não a localizou.

Todos estiveram na apresentaç­ão da nova turma de “líderes” da Raps, nos dias 24 e 25 passados. Azevedo fez abertura e debateu o módulo “Estratégia de Campanha” com Campos. A coordenaçã­o ficou a cargo de Roberta.

O vereador diz que não está tentando promover seu produto dentro de uma base de clientes previament­e fidelizada. “Não seria legal oferecer assim”, afirma.

Essa não é a visão do economista Humberto Laudares, 38, que pretende se filiar ao PPS ou à Rede para disputar a eleição como deputado federal por São Paulo. Membro do Agora!, Raps e Renova, ele disse que ficou incomodado com um possível conflito de interesses, embora foque mais suas dúvidas sobre o papel de Campos no IIP.

Já em Brasília, o pré-candidato a deputado distrital Pedro Ivo, ainda sem partido, achou a proposta do IIP interessan­te. “Recebi, mas ainda não me decidi”, afirmou ele, engenheiro de 25 anos.

Ele considera normal o nascimento de um mercado em torno dos movimentos. “Temos valores comuns.”

Há uma grande intersecçã­o entre grupos e startups políticas. Cerca de 40 dos “líderes” da Raps também estão no Renova, por exemplo. Eles se comunicam por aplicativo­s de mensagens incessante­mente, formando o que um membro brincou ser um grande grupo de WhatsApp.

Um pré-candidato a deputado que é da Raps e pediu para não se identifica­r disse achar gravíssima, em termos éticos, a proposta do IIP — além de bem dispendios­a.

O IIP sustenta que busca baratear custos de campanha. Segundo um especialis­ta em marketing político, o preço sugerido está acima da faixa de R$ 200 mil usuais.

Azevedo afirma que os valores da apresentaç­ão são uma sugestão, passível de variações em razão de escala.

Procurado, o RenovaBR disse que seus bolsistas têm liberdade para contratar os serviços de Azevedo ou de quaisquer organizaçõ­es, e que não tem nenhuma participaç­ão em eventuais negociaçõe­s que possam ocorrer.

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