ANÁLISE Jogando por reeleição, Putin assusta o Ocidente com novas ameaças nucleares
Agressivamente belicista, Vladimir Putin impressionou o mundo com o tom de seu discurso de Estado da União nesta quinta (1º) em Moscou. Não deveria, dado que suas declarações são consequência lógica da evolução da relação entre Rússia e o Ocidente desde o fim da Guerra Fria.
Putin falou ao país, como faz todo ano, mas também moldou o evento como seu primeiro e definitivo discurso de campanha eleitoral. No dia 18, ele deverá ser reeleito.
Assim, houve promessas como a de dobrar a renda per capita russa. Com que dinheiro é uma questão para depois.
Mas foi a parte final do discurso que levantou sobrancelhas. De forma muito pouco usual, Putin desfilou o que seria uma série de novas armas estratégicas —aquelas que visam ganhar ou evitar uma guerra, obviamente contra a única potência que rivaliza com Moscou, os EUA.
Não é todo dia que alguém com 1.710 armas nucleares prontas para uso exibe animações sugerindo ataque ao adversário, como foi feito.
Deve haver hipérboles, como um míssil de cruzeiro de alcance ilimitado, claro, mas há também certezas: o míssil intercontinental Sarmat e o chamado torpedo do juízo final são reais, e há anos os russos falam sobre desenvolver foguetes hipersônicos.
O que chamou menos atenção na mídia ocidental foi a parte em que Putin apresenta a razão para sua agressividade: geopolítica. Após a Guerra Fria, a Rússia quebrou enquanto a Otan, aliança militar liderada pelos americanos, avançou sobre as antigas fronteiras soviéticas.
Já em 1997 um dos decanos da diplomacia americana, George Kennan, dizia que o movimento iria empurrar a Rússia para longe da democracia e torná-la agressiva ao Ocidente. Acertou em cheio.
As guerras na Geórgia (2008) e na Ucrânia (2014) foram pontos de inflexão, pois estabeleceram o limite para a expansão. “Vocês falharam em conter a Rússia”, bradou Putin no discurso.
Outras frentes seguiram abertas. Quando os EUA deixaram o tratado que limitava sistemas de defesa antimísseis, em 2002, Moscou chiou. “Na ocasião, vocês não ouviram nosso país. Então nos ouçam agora”, disse Putin.
A instalação de bases para esse fim na Polônia e na Romênia selou a desconfiança.
Em 2004, Putin já falava na necessidade de novas armas.
Por fim, há Donald Trump, que aderiu à doutrina militar russa que facilita a possibilidade de um confronto atômico ao admitir o uso da bomba para retaliar um ataque convencional. Além de pedir novas armas que teoricamente, são mais empregáveis do que ogivas atômicas atuais.
Putin certamente exagerou ao jogar para a plateia que lhe dá mais de 80% de popularidade e para vender caro a um Ocidente amedrontado. Ambos os lados poderiam ter se contido ao longo dos anos.
Mas é bom ter em mente que a Rússia é uma potência em declínio, o oposto da China. Por isso mesmo, pode acabar sendo mais perigosa em sua assertividade.