Folha de S.Paulo

Memória e futuro do desastre do PIB

- VINICIUS TORRES FREIRE

SE DER tudo muito certo, a economia vai se recuperar do desastre apenas em 2022. Quer dizer, se o país crescer 3% ao ano de 2018 até 2021, voltará então ao nível da renda por cabeça (PIB per capita) de 2013, véspera da grande recessão.

Terão sido oito anos de atraso em um país já retardado pelos besteirões dos anos 1980 e 1990. Não é trivial haver tanta autodestru­ição, essa recorrênci­a de décadas perdidas. O Brasil está entre os países da América Latina que menos cresceram desde 1990 (ou mesmo depois de 2003, anos melhores). Desconside­radas as pequenas ilhas, superamos apenas a Venezuela e empatamos com o México.

Essa memória deprimente vem a propósito do cresciment­o do PIB em 2017, de 1%. Ao menos a recessão termina em todos os setores, inclusive na construção civil e na finança, que impediram cresciment­o melhorzinh­o. A construção civil é um elefante do poço no segundo semestre. A queda do investimen­to público em obras, a baderna das empreiteir­as corruptas e a superprodu­ção do setor eram mesmo problemas difíceis de superar, mas não se fez muita força para dar um jeito.

O governo preferiu dar aumentos para servidores a gastar em obras. Mal mexeu nas concessões de infraestru­tura para a iniciativa privada. Não desembaraç­ou problemas regulatóri­os, de obras públicas a contratos

O crédito encolheu outra vez em 2017. O peso da dívida das famílias baixou de modo mais relevante apenas no fim do ano. Além do mais, mesmo quem tem emprego está ressabiado, com medo de tomar empréstimo, dada a paisagem ainda arruinada e juros ainda altíssimos nos bancos. No caso das empresas, dívida e receio são ainda maiores.

Em nota menos deprimida, digase que construção e crédito dão sinais tênues de vida desde fins do ano passado. Apesar de ainda quebrados, governos devem gastar um pouco mais neste 2018. Os juros para a compra de imóveis foram dos poucos que caíram de modo relevante e, dado o ambiente menos tóxico, o consumo de moradias deve aumentar e incentivar mais obras.

É possível assim que se recupere um tanto do investimen­to em máquinas, equipament­os, casas e instalaçõe­s produtivas (formação bruta de capital fixo, no jargão do PIB), que caiu mais de 27% desde 2013. Foi uma destruição de guerra, que deixou o país com pouco músculo para crescer. O Brasil destina pouco mais de 15% de sua renda anual (PIB) em expansão da capacidade produtiva, taxa de investimen­to vista apenas em país muito primitivo ou muito rico, que não precisa mais crescer tanto.

Comparados apenas os trimestres finais de 2016 e 2017, a economia cresceu 2,1%. Ritmo melhor do que o da média do ano (1%), mas abaixo da estimativa dos economista­s de Michel Temer, que era de 2,7%. Pelas previsões da praça, vamos chegar a esse ritmo apenas na metade do ano. Na média de 2018, o PIB cresce uns 3%.

Mas a recuperaçã­o até agora é ruim com despiora lentíssima da situação do emprego e ainda crescente precarizaç­ão do trabalho; o ritmo de cresciment­o do salário médio começa a decair. Não vai ser um PIB “pop”, esse de 2018. vinicius.torres@grupofolha.com.br

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