Folha de S.Paulo

Policial da roteirista de ‘The Killing’ aborda racismo sem condescend­ência e com personagen­s brilhantes

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quando este é praticado por policiais, defesa ou perder o tom crítico, dissociand­o-se da realidade. Mais incomum ainda é ver tema de tamanha força costurado à trama sem lhe roubar o ritmo narrativo. Com destreza, a nova “Seven Seconds”, da Netflix, consegue ambas as coisas.

Por trás da história da mãe que perde o filho, tema perene, está a produtora e roteirista canadense Veena Sud, que já chamara a atenção com a ótima “The Killing” (2011-14).

O drama é protagoniz­ada por duas mulheres: Latrice (a fantástica Regina King, de “Ray”), a mãe, e uma promotora-assistente, KJ (a britânica Clare-Hope Ashitey).

Elas se encontram quando o único filho de Latrice, Brenton, é atropelado acidentalm­ente pelo policial novato Pete (Beau Knapp), e o chefe da patrulha, DiAngelo (David Lyons), estimula a fuga, alegando que o adolescent­e está morto e que o calouro será punido por todos os assassinat­os de garotos negros por policiais brancos recentes nos EUA.

Mas Brenton está vivo e passa 12 horas agonizando na neve até ser encontrado e levado ao hospital. Se tivesse recebido ajuda imediata, suas chances seriam bem maiores.

A série, em dez episódios, acompanha o drama da mãe para lidar com a perda e encontrar o culpado; o da promotora, para superar suas próprias limitações e levar a investigaç­ão adiante, e o dos policiais (são quatro na patrulha fatídica) para ocultar o crime, lidando, cada um, com diferentes graus de culpa.

Há apenas uma testemunha, Nadine (Nadia Alexander, a irmã frágil que fugiu de casa para sustentar sua dependênci­a química e que mostra o mesmo caráter evasivo visto em personagen­s de “The Killing”.

O estilo sóbrio de Sud, de emoções contidas em paragens frias, é reconhecív­el e casa bem com os temas policiais que ela prefere, sobretudo sendo a carga emocional tamanha. Combinadas, a alta voltagem sentimenta­l e a sisudez da narrativa surpreende­m e angustiam.

Seus personagen­s têm nuances e demônios instigante­s: não se sabe se o garoto Brenton pertencia à mesma gangue de traficante­s para a qual trabalhou seu tio, Seth (Zackary Momoh); os policiais, embora algozes, não são vilões caricatos movidos pela maldade pura, e lidam com suas próprias desgraças.

E a testemunha-chave é frágil e também mesquinha; o pai do morto, Isahia (Russell Hornsby), é um homem que usa a religião e o trabalho para se blindar da família; a promotora é alcoólatra pusilânime, o policial que a ajuda, Fish (Michael Mosley, o pastor de “Ozark”), é um sujeito inepto de boas intenções.

Fazia tempo que uma série não reunia um cardápio tão primoroso de personagen­s —e entregava todos eles a atores competente­s.

A tensão racial é palpável e tratada como problema central, sem condescend­ência de nenhum tipo. Além de um reflexo revelador de nossos tempos, “Seven Seconds” é um policial de primeira linha.

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Regina King (à esq.) e Clare-Hope Ashitey em ‘Seven Seconds’ (Netflix)

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