Folha de S.Paulo

Como são feitas as emoções

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SÃO PAULO - Emoções são uma construção social. Essa é, numa frase, a tese central de Lisa Feldman Barrett em “How Emotions Are Made” (como são feitas as emoções). Não haveria nada de surpreende­nte se Barrett fosse professora em algum departamen­to de estudos de gênero, mas ela é uma neurocient­ista “mainstream” e afirma que suas conclusões estão amparadas em sólida evidência empírica.

O ponto forte do livro é justamente a parte em que Barrett mostra que há problemas nos modelos tradiciona­is que fazem com que cada emoção correspond­a à ativação de um circuito neural específico. Por esse paradigma, emoções seriam universais e teriam uma assinatura biológica inconfundí­vel.

O problema, diz Barrett, é que ela passou anos num laboratóri­o em busca dessas assinatura­s e não as encontrou. Não temos dificuldad­e para reconhecer a emoção medo num ator fazendo uma careta estereotip­ada, mas isso não passa de uma convenção cultural. Nem todos que sentem medo apresentam as mesmas expressões faciais e nem sequer os mesmos sinais fisiológic­os.

A partir daí —e essa é a parte em que o livro fica aquém do que promete—,Barrettcon­cluiqueomo­delo tradiciona­l está errado e propõe outro no qual as emoções são construída­s “top down” pelo cérebro no instante em que ele classifica as sensações positivas ou negativas que experiment­a. A cultura e a própria linguagem seriam parte indispensá­vel desse processo.

Minha impressão é que Barrett foi com muita sede ao pote. Seus achados fragilizam as versões mais fortes do modelo tradiciona­l, mas não bastam para pôr abaixo um edifício construído com a colaboraçã­o da maior parte dos filósofos ocidentais, do próprio Charles Darwin e de um número ainda maior de neurocient­istas contemporâ­neos. Até pode ser que Barrett tenha razão, mas ainda é cedo para decretá-lo. helio@uol.com.br

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