Punição com premiação
RIO DE JANEIRO - Depois de certa idade, quem assiste à entrega do Oscar arrisca-se a morrer de tédio —ou de velhice. A cerimônia custa a engrenar, as piadas são incompreensíveis e uma multidão de ninguéns é premiada antes dos candidatos que importam. Só os figurinos, hilários de tão jecas, me mantêm acordado. Além disso, esta noite, a única categoria que me interessa já está, acho, decidida: a de melhor ator coadjuvante. O Oscar vai para Christopher Plummer.
Os fatos são conhecidos. Em fins doanopassado,“TodooDinheirodo Mundo”, filme de Ridley Scott com Kevin Spacey no papel do bilionário J. Paul Getty, estava pronto e com estreia marcada para dezembro —a tempo de pegar a indicação para os prêmios da indústria cinematográfica. Mas Spacey caiu na malha das acusações por assédio sexual. Scott decidiu limá-lo do filme e refilmar suas cenas. Como fazer isso sem perder o prazo das indicações? E quem chamar para o papel?
Christopher Plummer aceitou o convite. Decorou as falas, tornou-se Getty e filmou tudo em nove dias. Uma façanha, principalmente para um homem às vésperas dos 88 anos. Mas, se levar o Oscar, não será por essa performance —e sim para Hollywood punir Kevin Spacey e mostrar que está alinhada com os novos tempos.
Pormim,Plummerseriapremiado todos os anos. Seu currículo em teatroéassombroso:jáfeztudoemShakespeare, gregos completos, Büchner, Rostand, Tchékhov, Shaw, Pirandello, O’Neill, Cocteau, Anouilh, Giraudoux, Brecht, Noël Coward, Tennessee Williams. Contracenou comKatharineCornell,LaurenceOlivier,OrsonWelles,esuavida,queele contou no livro “In Spite of Myself”, é de dar água na boca.
Mas, coitado, passará à eternidadecomoocanastrão(opersonagem, não ele) comandante Von Trapp de “A Noviça Rebelde”. MARCOS LISBOA