Hospital libanês trata feridos da guerra síria
Centro da Cruz Vermelha ‘conserta’ tratamento dado em unidades de campanha improvisadas do outro lado da fronteira
Pacientes já chegaram com grama dentro de ferimentos costurados; sutura precária agrava o risco de infecção
Quando o pedreiro Naim viu os soldados sírios se aproximando,pensou:“Nãotenho como suborná-los e não quero passar meses na prisão”.
Saiu correndo para se esconder atrás de uma árvore e acabou pisando em uma das inúmeras minas que forram a fronteira entre o Líbano e a Síria. Na hora da explosão, não sentiu nada, só se assustou com o barulho. Mas quando olhou para baixo, seu pé estava preso só por uma nesga de carne ao calcanhar.
A guerra da Síria está prestes a entrar em seu oitavo ano. Além dos mais de 400 mil mortos, centenas de milhares depessoasficaramgravemente feridas. A maioria é atendida em hospitais improvisados no front, e com sorte sobrevive. Sequelas são comuns.
Alguns poucos conseguem chegar até o Centro de Treinamento de Trauma causado por Armas, especializado em feridos de guerra, que o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) montou na cidade de Trípoli, no Líbano.
Grande parte do trabalho com antibióticos para tentar ali é cuidar dos chamados debelar uma infecção que “casos frios” —gente que recebeu quase lhe custou a perna. os primeiros socorros QulleibviviaemGhoutaoriental, em hospitais de campanha, subúrbio de Damasco no front sírio, mas que sofre que está cercado pelas tropas as consequências da precariedade doditadorBasharal-Assadhá daquele atendimento. anos e é alvo constante de
A maioria dos médicos que bombardeios. Por causa do estavam nas áreas conflagradas bloqueio,eleeafamíliasobreviviam da Síria deixou o país. Sobraram comendo sopa de folhas alguns poucos profissionais, e os poucos vegetais que enfermeiros, e muita conseguiam plantar. gente bem-intencionada, Em janeiro de 2015, o sapateirosobreviveuaumbombardeionomercadolocalquedeixou mas pouco treinada, para atender multidões de feridos.
As condições de higiene 35 mortos. Atingido na são calamitosas. Certos pacientes perna, foi levado a um hospital que chegaram ao centro improvisado, onde passou do CICV tinham grama porcirurgiasemanestesia.Por dentro dos ferimentos costurados, meses, o ferimento não cicatrizava. conta Mariateresa Cacciapuoti, Tentou-se fazer um chefe da subdelegação enxerto de osso, sem sucesso. no norte do Líbano, país Depois que sua casa foi de 4 milhões que acolhe hoje destruída por mísseis, em 1,5 milhão de refugiados sírios 2016, Qulleib fugiu da Síria e 500 mil palestinos. com a mulher e as duas filhas
Um dos erros mais comuns pequenas. Foi para um campo doatendimentonofrontécosturar de refugiados no vale do os ferimentos imediatamente,aumentandooriscode Bekaa, no Líbano, de onde um enfermeiro do CICV o encaminhou infecção. Os médicos também ao centro de tratamento. abusamdeantibióticosdeamplo Ali, ficaria internado espectro, o que leva a infecções por mais de um mês. multirresistentes. Em2017,500pacientespassaram pelo hospital. Grande parte tem membros amputados e fica de 3 a 6 meses, entre cirurgias, reabilitação e atendimento psicológico para estresse pós-traumático.
Lá, a equipe do CICV já treinou 65 cirurgiões locais. “A cirurgia de guerra tem uma SEM ANESTESIA Quando o sapateiro sírio Yasser Qulleib, 31, chegou ao centro do CICV, os médicos tiveram de reabrir a sutura feita em sua perna, remover todos os pinos e placas metálicas e iniciar um tratamento
Os sírios Wael Hamze (à esq.) e Amer al-Absi (pernas amputadas) fazem fisioterapia no hospital que a Cruz Vermelha mantém em Trípoli (Líbano)