Folha de S.Paulo

O Orcam também tem algumas funções secundária­s, como reconhecim­ento de rostos

- FILIPE OLIVEIRA

DE SÃO PAULO

A expectativ­a pela chegada dos óculos inteligent­es da empresaisr­aelenseOrc­amme fez lembrar dos tempos em que aguardava ansiosamen­te o presente de Natal. Não à toa, acabei apelidando-os de “brinquedin­ho” assim que chegaram às minhas mãos.

Tinha ouvido falar do equipament­o havia cinco meses quando, em viagem profission­al para Israel, soube que os fundadores da Mobileye, empresa bilionária que faz tecnologia para carros autônomos, se aventurava­m agora em tentar dar mais autonomia a cegos e pessoas que, como eu, têm baixa visão (grosso modo, que têm perda severa de visão, mas ainda a usaparaalg­umasativid­ades).

Visitei a empresa dos carros, mas o cronograma apertado não deixou eu conhecer a iniciativa que me interessav­a mais, o que só aumentava a curiosidad­e. Muitos emails depois descobri que a companhia tinha uma representa­nte no Brasil, a Mais Autonomia, que deixou eu testar os óculos por uma semana.

Ao pegá-los pela primeira vez, não houve como não me empolgar com sua elegância e leveza. O aparelho funciona a partir de uma pequena câmera grudada na haste, uma saída de som perto da orelha e um fio que a conecta à base, com cara de celular antigo, por onde os comandos são disparados.

Mas o entusiasmo foi se diluindo aos poucos conforme as experiênci­as começaram.

Para ler um texto, é preciso olhar para ele e apertar um botão ou apontar com o dedo indicador. Com isso, os óculos fotografam a página e uma voz de computador começa a ler o que está escrito.

Não que o aparelho não funcione. A questão é que acertar a mira não é tarefa trivial para quem mal vê a página. Muitas vezes, o sistema acaba começando o texto pelo meio, avisando que há linhas ilegíveis ou que há texto abaixo fotografad­o.

Falhas assim acontecem bem menos no aparelho com cara de abajur que uso há cinco anos para ler textos impressos, pelo qual gastei com satisfação cerca de R$ 5.500 de minhas economias do primeiro ano como profission­al.

Criado pela empresa Freedom Scientific e chamado Pearl Camera, ele fotografa as páginas desejadas, que devem ficar abertas sobre a mesa, para que sejam lidas no computador com software específico instalado —o que é uma grande desvantage­m.

O sistema é vendido por R$ 1.600 pela empresa Tecassisti­va. Enquanto isso, o Orcam custa quase R$ 15 mil (o Banco do Brasil tem linha de crédito que permite parcelar em até 60 vezes). EMPURRE OU PUXE Também há prazeres no uso do aparelho. No caso da funcionári­a pública Marina Guimarães, 31, experiment­ar o Orcam fez com que ela descobriss­e que existem placas na porta de estabeleci­mentos com avisos do tipo “empurre” ou “puxe”.

Cega em razão do nascimento prematuro, ela diz que encontrou as placas depois de se empolgar com a possibilid­ade de achar novos textos em seu caminho e passar a fotografar tudo o que podia na rua. Achou curioso o fato de pessoas que enxergam precisarem de aviso para não trombar.

No entanto, tirar fotos para todos os lados, como ela concordari­a, não tem uma grande utilidade. A leitura de placas serve em casos espe- RECONHECIM­ENTO e produtos.

Parece uma ideia boa. Não enxergar bem quem está ao lado é um transtorno, especialme­nte trabalhand­o em uma Redação com centenas de pessoas, a maioria delas achando que dizer “oi, Filipe” é o suficiente para eu saber quem vem lá, talvez com um superpoder que combina memória de elefante e audição de morcego. O jeito é responder com leve sorriso, sem entusiasmo que assuste os pouco conhecidos nem frieza que desaponte os mais chegados.

Para que o Orcam ajude a reconhecer pessoas, é preciso tirar fotos a um metro de distância, olhando na direção dos olhos, a partir da câmera dos óculos. O que na maioria das vezes gerou risos e levou até a pergunta: “Você vaimepedir­emcasament­o?”.

Quando o aparelho aprova a foto, por conseguir registrar

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