Ações de prevenção de desastres naturais definham no Brasil
Ocorrências desabrigaram ou desalojaram 6,4 milhões de brasileiros desde 2000; área tem falta de verba e de equipes
Promessas feitas em 2011 após tragédia que matou 900 na região serrana do Rio ainda não foram cumpridas
Pouco mais de cinco anos depois do lançamento do Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, na esteira da tragédia de 2011 na região serrana do Rio de Janeiro, políticas públicas na área estão ameaçadas por cortes de orçamentos e redução de equipes.
Promessas da época, como a de investir em obras de prevenção, não chegaram nem perto do cumprimento até hoje, e equipamentos de monitoramento que custaram quase R$ 14 milhões aos cofres públicos estão parados.
Em 2011, mais de 900 pessoas morreram no Rio naquele que foi considerado o pior desastre natural da história do país. A tragédia acabou impulsionando anúncios de políticas de prevenção.
Foi criado o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden) —vinculado ao MinistériodaCiênciaeTecnologia— e houve melhoria no mapeamento de áreas de risco.
Da mesma forma, em agosto de 2012, o então governo Dilma Rousseff (PT) lançou o o plano nacional para evitar novas ocorrências. Como parte da iniciativa, prometeu investir R$ 15,6 bilhões em obras de prevenção até 2014, o que, em valores atualizados pela inflação até 2017, equivale a cerca de R$ 22 bilhões.
A meta, no entanto, não foi cumprida até hoje. De 2012 a 2017, apenas R$ 11,2 bilhões foram gastos, segundo dados do Ministério do Planejamento, obtidos via Lei de Acesso à Informação. Ou seja, cerca de metade do previsto.
Neste total, o ministério inclui obras de abastecimento de água para consumo humano e produção de alimentos, inclusive do projeto de integração do rio São Francisco, que por si só já custou mais de R$ 9 bilhões desde 2007.
Obras ligadas mais diretamente à prevenção de desastres, como contenção de encostas e drenagem urbana, são parcela ainda menor: R$ 1,9 bilhão, de 2012 a 2017.
“O plano nunca foi transformado em programa, não houve avaliação dos resultados,temsóaapresentaçãoem power point. Hoje os investimentos estão em curva descendente”, diz Rafael Schadeck, pesquisador do Centro de Estudos em Engenharia e Defesa Civil da Universidade Federal de Santa Catarina.
O plano também previa destinar 50 mil unidades do Minha Casa Minha Vida a famílias de baixa renda atingidas por desastres naturais. Questionado, o Ministério da Cidadesdissenãosaberquantas casas foram entregues a esse público desde 2012.
Já a Casa Civil, responsável por coordenar o plano, disse que 69.067 unidades foram entregues de 2013 a 2017 para essas famílias, citando dados do Ministério das Cidades. A Casa Civil não explicou, porém, por que as versões não batiam. IMPACTO A redução de investimentos em prevenção e monitoramento impacta a vida de milhões de brasileiros atingidos por inundações, deslizamentos, enxurradas, entre outros.
Segundo pesquisa do Instituto Igarapé, ao menos 6,4 milhões ficaram desabrigados ou desalojados por desastres naturais no país desde 2000, o equivalente a um a cada dois minutos. O levantamento é baseado em informações reportadas pelas Defesas Civis de estados e municípios ao governo federal.
Segundo a pesquisa, os desastres que mais deslocam no país são inundações (45%) e enxurradas (32%). O Amazonas é o estado com mais deslocamentos no período, cerca de 840 mil, seguido de Santa Catarina, com 805 mil.
Além de cortes em investimentos, órgãos federais criados para lidar com o tema tiveram redução de equipes. O Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres (Cenad), que chegou a ter 105 servidores, agora tem 50.
Concebidoparater180funcionários,oCemadentem103. Seu orçamento caiu cerca de 85% de 2013 a 2017, o que prejudicou a rede de observação. O órgão tem equipamentos parados que custaram quase R$ 14 milhões. Usados para coletar dados de inundações e deslizamentos, foram comprados em 2013 e 2014. Sem verbas, a instalação e a manutenção foram suspensas.
As 125 estações hidrológicas, 135 geotécnicas e 9 ETRs (robotizadas)ficamemumdepósito improvisado em uma unidade do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) em Cachoeira Paulista (interior de SP). Parte dos equipamentosestáarmazenada num restaurante abandonado em condições precárias.
Com isso, o material corre o risco de se deteriorar, segundo o diretor do Cemaden, o doutor em física Osvaldo Moraes. Ele afirma que a falta de manutenção também afeta a qualidade dos alertas contra desastres. “Eles podem ser emitidos com atraso ou nem ser enviados, porque os equipamentos não estão operando”, diz.
DANIEL MARIANI Esses valores incluem obras para: > Acesso a água para obras de integração do consumo humano e rio São Francisco produção de alimentos > Obras com relação > Saneamento básico direta com a prevenção > Construção de barragens, de desastres, como adutoras e sistemas drenagem e contenção de abastecimento de água de encostas em áreas para combate à seca, como urbanas Em R$ milhões** EQUIPES REDUZIDAS Funcionários do Cenad (Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres) sofrem com cortes Funcionários do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais) Previsão em 2011 servidores para 256 municípios ORÇAMENTO DO CEMADEN, EM R$ MILHÕES Situação atual funcionários para 951 municípios Previsão para 2018