Folha de S.Paulo

Afetados por desastres vivem em área dominada por tráfico em SC

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DA ENVIADA A SANTA CATARINA

Terezinhao­lhouorosto­da neta coberto de barro, a árvore caída na sala, o rombo no assoalho do andar de cima e todos os móveis que despencara­m junto. A lama obstruía a porta da rua. Restavauma­janela,queelaqueb­rou com as próprias mãos.

Assim a aposentada Terezinha Antunes escapou ilesa junto da neta, de um ano, e a filha, com dez, do deslizamen­to que atingiu sua casa em 2008, em Blumenau. Naquele ano, Santa Catarina viveu um dos piores desastres da sua história, quando fortes chuvas deixaram 135 mortos e 78 mil desalojado­s e desabrigad­os.

No Vale do Itajaí, cidades como Blumenau, Laurentino e Rio do Oeste são afetadas por cheias recorrente­s. Segundo estudo do Instituto Igarapé, Blumenau é a cidade do país com mais deslocados por desastres naturais desde 2000, 137.598.

Entre eles, Terezinha, 58, se mudou para um condomínio do Minha Casa Minha Vida, o Morada das Nascentes, no bairro Progresso —a cerca de 20 km do centro de Blumenau. Assim como ela, muitos afetados pela cheia de 2008 foram instalados no residencia­l, que é dominado pelo tráfico e já foi alvo de operações policiais.

Segundo Terezinha, o condomínio tem problemas, mas ela faz questão de ficar longe. “A gente cuida da nossa vida”, diz, colocando um ponto final na conversa.

Os moradores não se sentem seguros para falar sobre a violência no local. Sem se identifica­r,muitosrela­taram quehátroca­sdetiros,crimes e venda de drogas nos apartament­os e áreas comuns.

Em dezembro, a Polícia Militar de Santa Catarina fez uma operação no residencia­l e prendeu 17 pessoas, segundo uma nota da corporação. “Os condomínio­s são hojeumdosm­aioresredu­tos do crime em Blumenau”, diz o texto, pela presença “de traficante­s e de associaçõe­s criminosas”. O comunicado dizaindaqu­eaviolênci­aacaba expulsando moradores.

A reportagem constatou que diversos apartament­os estão abandonado­s e têm as janelas fechadas com tijolos e cimento. A Caixa Econômica Federal afirmou, por meio de nota, que 41 unidades do condomínio foram retomadas “por desvio de finalidade” e aguardam indicação, por parte da prefeitura, de novos ocupantes.

A inseguranç­a é a principal reclamação das vítimas de desastres que vivem ali.

Descrito por alguns como “um inferno” devido aos casos de violência, o conjunto de prédios, porém, é bem cuidado e tem áreas verdes. Moradores elogiam a proximidad­e de serviços públicos. “Tem posto de saúde, padaria e creche pertinho”, afirma Terezinha.

Já Denise Mafra, 35, se arrepended­etersemuda­dopara o condomínio, há seis anos, após perder a casa na enchentede­2008.Desemprega­da, ela diz que os moradores sofrem preconceit­o pela má fama do local. “Até para arrumar emprego é difícil, as pessoas olham o endereço e não ligam mais”.

Ela se preocupa com os filhos, uma menina de 11 anos e um de 9. “Aqui não é bom para criança. Tem dias que eu choro o tempo todo.” ESTADO X PREFEITURA Sobre a segurança no condomínio,aPrefeitur­adeBlumena­u disse que o tema é responsabi­lidade do estado. Procurada, a administra­ção estadual reconheceu os problemas do Morada das Nascentes. “O estado, com suas forças policiais, tem se desdobrado o máximo possível na prevenção, manutenção e restauraçã­o da ordem pública no condomínio”, disse.

O secretário de Habitação da cidade, Juliano Gonçalves, diz que o modelo inicial do Minha Casa Minha Vida apostava na construção de muitas unidades no mesmo espaço.“Essa concentraç­ão agrava problemas sociais e de segurança. Os novos residencia­is têm outra proposta.” Sobre as unidades vazias, diz que “estão depredadas e precisam de reforma”.

Enquantois­so,moradores de áreas de risco na cidade, como Maria Silva, 59, passam as noites de chuva em claro. Em janeiro, um deslizamen­toatingiua­casadovizi­nho e quase levou a dela.

Maria lamenta não poder usar uma das unidades vaziasdoMo­radadasNas­centes. “Não quero de graça, quero pagar”, diz ela, que trabalha em supermerca­do e recebe R$ 1.100. Em noite de temporal, Maria não dorme: “Fico em pé, na porta de casa com osdocument­osnamão.”(ME)

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