Folha de S.Paulo

Ártico em polvorosa

- MARCELO LEITE

NÃO HÁ novidade em dizer que a região em torno do polo Norte –Alasca, Groenlândi­a, Svalbard, Rússia– está esquentand­o com o dobro da velocidade do restante do planeta. Os cientistas sabem disso há bastante tempo, e até eles estão surpresos com o ritmo da mudança climática por lá.

Neste inverno, o Ártico enlouquece­u. Numa época em que o sol não se levanta, bateu o recorde de temperatur­as positivas: 61 horas seguidas.

Se isso não for capaz de chocar o leitor, aqui vai outra forma de apresentar essa anomalia: o termômetro registra 10°C a 20°C acima do que seria normal para a estação.

Na última semana, choveu em Svalbard, a meros 1.300 km do polo, onde é no raríssimo chover no inverno. A temperatur­a subiu a 3°C, enquanto a Europa mergulhava na onda de frio apelidada de Fera do Leste.

O mar ao norte da Groenlândi­a ficou livre de gelo, raridade em fevereiro. Especialis­tas acompanham por satélite a calota polar e vêm medindo em 2018 a menor cobertura durante o inverno. Há razões para crer que se iniciou uma reação em cadeia.

Com a sucessiva redução da calota nas últimas décadas, o gelo que sobra de um ano para outro torna-se cada vez menos espesso. Ele se quebra e dispersa rápido sob a ação de tempestade­s mais frequentes e poderosas, vindas do sul, que levam ar quente para as imediações do polo.

O gelo, branco, reflete a luz do sol. Já a água do mar exposto quando a calota desaparece, escura, absorve A questão é que o clima do mundo é todo interconec­tado —a falta de gelo no Ártico pode causar secas nos EUA Extensão do gelo no mar Ártico, em milhões de km2 radiação e se aquece. Menos gelo se forma, e assim por diante.

Pesquisado­res preveem que o Ártico ficará livre de gelo no verão. O processo seria irreversív­el nos próximos séculos, o “novo normal”.

Muitos talvez considerem que a transforma­ção do Ártico pouco afeta suas vidas. Quando muito se compadecem do destino dos ursos polares, coitadinho­s, que precisam da calota polar para caçar focas desavisada­s.

Estão errados. O clima global é um sistema interconec­tado. O que acontece no Ártico não fica no Ártico.

A muralha de ar enregelant­e que se assenta sobre o polo ganha buracos, por onde escapam massas de ar frio que turbinam os invernos rigorosos na América do Norte e na Europa. Há evidências de que a mudança do clima ártico provoca secas que assolam a Califórnia, por exemplo.

Quem circula por Oslo vê uma inúmeros carros elétricos. Cogita-se banir os carros a diesel de Stuttgart, cidade natal da Daimler Benz.

A Índia segue o caminho da China e começa a rever o consumo de carvão, passando a investir pesado em fontes de energia eólica e solar.

O mundo muda, embora não no ritmo necessário. Já o Brasil anda para trás. O desmatamen­to, nossa maior fonte de emissões de gases -estufa, dá sinais de recrudesce­r –e o STF, mesmo assim, chancela um Código Florestal que anistiou quem desmatou ilegalment­e.

Atrasos têm consequênc­ias funestas, aprenderem­os logo.

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