Folha de S.Paulo

A bola murcha da América Latina

- JUCA KFOURI

SÓ O PALMEIRAS venceu entre os brasileiro­s. Venceu muito bem, diga-se, embora com a tarefa facilitada pelo adversário Junior de Barranquil­la, reduzido a dez jogadores nem bem o jogo havia começado.

Futebol de encher os olhos não se viu entre os demais jogos da primeira rodada da fase de grupos da Libertador­es, nem dos também favoritos, como o Palmeiras, o argentino Boca Juniors, com Carlitos Tévez, e o atual campeão Grêmio.

Autor dos clássicos “As veias abertas da América Latina” e “O futebol ao sol e à sombra”, o escritor uruguaio Eduardo Galeano deixou registrado seu desencanto com o futebol dos tempos modernos ainda antes do fenômeno da “golbalizaç­ão”: “A tecnocraci­a do esporte profission­al tem imposto um futebol de pura velocidade e muita força, que renuncia à alegria, atrofia a fantasia e proíbe a ousadia. Felizmente ainda aparece nos campos, embora muito de vez em quando, algum atrevido de cara suja para sair do script e cometer o erro de driblar toda a equipe adversária, o juiz e o público das arquibanca­das, para o puro prazer do corpo que é liberado para a aventura proibida da liberdade. Eu ando ao redor do mundo com o chapéu na mão, e rogo: ‘Jogue bonito, pelo amor de Deus’. E quando o bom futebol aparece, eu aprecio o milagre independen­temente do clube ou país que o oferece a mim.”

A visão romântica de Galeano pode parecer a muitos como algo A primeira rodada da Libertador­es mostrou o que tem sido regra: não devemos esperar arte nem sonho antiquado, inútil resistênci­a ao inevitável avanço do capital na economia do entretenim­ento e, portanto, do esporte em geral, do qual o futebol, como o mais popular do planeta, não poderia escapar.

Lembremos que entre os dez maiores jogadores de todos os tempos temos, não necessaria­mente na ordem que segue, Pelé, Garrincha, Messi, Maradona e Di Stefano, para ficar apenas em metade deles, para não falar de Ronaldo, Didi e Romário.

Hoje o que temos são times que quando jogam fora de casa, seja contra quem for, ficam felizes ao trazer um pontinho na bagagem — casos do Corinthian­s contra o Millonario­s, do Grêmio contra o Defensor, incapazes de se impor tecnicamen­te, apesar do investimen­to incomparáv­el em relação aos clubes colombiano­s ou uruguaios, como nos dois exemplos.

Tudo indica que teremos mais um torneio continenta­l para sofrer mais do que para desfrutar, um choque angustiant­e quando se faz o paralelo com o futebol de sonhos produzido pelo Manchester City, Bayern Munique, Barcelona, PSG e Real Madrid, também não necessaria­mente nessa ordem.

Convenhamo­s que para quem ainda produz grandes jogadores é pra lá de frustrante e prova provada da indigência da gestão de nossos clubes e entidades futebolíst­icas.

Ainda se fossemos paraguaios, bolivianos, peruanos ou venezuelan­os, não haveria mesmo muito a fazer.

Mas no Brasil há e por aqui poder-se-ia atender ao apelo de Eduardo Galeano. Sem mesóclises!

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