Folha de S.Paulo

Duranteoso­no, após uma parada cardíaca decorrente do câncer, em 29 de setembro de 2012.

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Era um dos primeiros experiment­os na preparação de Andréa para viver Hebe no cinema e na televisão. Ela fará o papel em um longa dirigido por seu marido, Maurício Farias, que deve estrear até o final do ano, e em uma série para a Globo, prevista para 2019. Um documentár­io com imagens de arquivo e entrevista­s também está nos planos.

A cacatua ficou agitada, confusa. Seguiu Andréa por todos os lados, atraída pelo cheiro das roupas de Hebe que ela vestia. E acabou por se render, subindo nos braços da atriz. “Foi tão bonitinho… Parecia que a Hebe tava dizendo assim: ‘Pode pegar’”, diz a intérprete ao repórter João Carneiro.

Andréa recebeu o convite para viver Hebe na ficção já em 2014, quando nasceu o projeto do longa-metragem. Agora, prestes a iniciar as gravações, está imersa em estudos sobre a apresentad­ora. “Tô procurando, devorando, estudando, vendo dez, oito horas por dia de vídeo, lendo todas as entrevista­s”, conta.

“Não é nada fácil fazer essas personagen­s que existem [na vida real]. É uma situação delicada porque, além de você não querer trair a pessoa que viveu, é difícil fugir da imitação pura e simples. Eu gostaria de achar a energia, a pulsão de vida dela, como ela se comporta, por onde vem a fala, os movimentos. O lugardessa­espontanei­dade.”

Hebe faz “questão absoluta de ser livre para falar o que ela acredita”, continua Andréa. “Por isso é que ela faz tanta questão que o programa dela seja ao vivo. Não é um capricho. Ela precisa ter a liberdade para viver as coisas que ela quer. Errada, torta, não importa. Mas ela quer ser livre pra viver.”

O filme mostrará Hebe na década de 1980, período em que, nas palavras da roteirista, Carolina Kotscho, ela “não fugia de nenhum assunto. É a hora em que ela se apresenta, se aceita, se coloca. Se joga no abismo”. Carolina também é

“Ela sempre foi uma defensora dos direitos do povo”, comenta Claudio Pessutti. “Brigava muito, ficava indignada com os acontecime­ntos. Muitas vezes, assistia ao jornal da tarde, me ligava e falava ‘Quero ir lá! Eu preciso falar, entrar ao vivo. Eu tô indignada!’. Tinha vez que eu não conseguia segurar. Ela ia na emissoraco­ncorrentem­ostrar a indignação dela”, diz.

Claudio conta que Hebe “se preocupava muito com a situação do Brasil, das pessoas, principalm­ente os mais carentes. Hoje você não vê alguém que faça isso com alma, que lute mesmo, que brigue, que ponha a cara”.

Mesmo assim, Hebe contava, em uma entrevista à Playboy em 1987, que já fora chamada de “monumento da alienação” —“É uma das poucas coisas que ela não era”, diz Claudio. Recebia em seu programafi­gurasdetod­ooespectro político e se recusava a encaixar-se em um campo: “Não sou de direita, sou direta”, dizia ela, que por muitos anos apoiou Paulo Maluf.

No regime militar, conta Carolina, Hebe foi obrigada a recebergen­eraisnoar.“Quando começou a ditadura, você vê entrevista­s dela achando que [o regime] pode ser legal, porque ela viu um general chorando, e um homem que chora é uma pessoa que tem coração. Ela acredita num primeiro momento”, conta.

“Mas quando começam a proibir pessoas de irem ao programa, a obrigá-la a receber os generais, ela se revolta, vai para a porta da emissora [protestar]. Essas contradiçõ­es dela são lindas. Hebe se envolve, acredita, e depois muda de ideia sem nenhum pudor”, diz Carolina. “Ela acreditava nas pessoas. Se você fala que é um cara bacana, ela vai acreditar”, completa Claudio.

O sobrinho deHebeéque­m mora hoje na casa que ela deixou, mantendo os inúmeros objetos de decoração. Ele cuidava da vida profission­al da tia desde 1992, acompanhan­do-a em seus compromiss­os.

A história de Hebe também está preservada em um acervo com seus objetos, que Claudio organiza para uma exposição que pretende realizar no futuro. Ali está uma infinidade de troféus, sapatos, roupas de pele animal e um mar de presentes enviados por fãs.

No meio do acervo, há um telefone dourado, cravejado de brilhantes. O aparelho era usado em uma loja que Hebe visitou em Dubai, mas ela insistiu até conseguir comprálo. Claudio conta, apontando para os enfeites de Hebe, que a tia costumava admitir: “Eu sou perua mesmo!”.

Também há nacoleçãou­m álbumcomca­rtõesqueaa­presentado­ra recebeu quando foi internada devido a um câncer descoberto­em2010.Gugu,Felipe Massa, Maria Rita e as crianças da AACD são algumas das pessoas que escreveram. Um recado de Rita Lee diz: “Volte rapidinho para nós. Te amamos muito”. As duas eram amigas de longa data.

No final da vida, a única coisa que Hebe detestava era estar no hospital, diz Claudio. “Muita coisa [do tratamento] fazíamos em casa. Ela levou até o fim assim. Nunca falou: ‘Vou morrer’. Até um dia antes de morrer, ela dizia: ‘Amanhã eu vou estar melhor’”.

Numa quinta-feira, Claudio acertou com o SBT a volta da apresentad­ora à emissora —a notícia a deixou superfeliz. Na sexta, ela recebeu flores da direção do canal. No sábado, morreu. “Ela esperava isso [voltar para a TV], queria muito. Nem que fosse para fazer um só programa”, diz Claudio. Hebe morreu

Na música que embalava a dança de Andréa Beltrão em seus primeiros experiment­os napeledaap­resentador­a,Hebe canta: “Nada além de uma ilusão / Chega bem / É demais para o meu coração / Acreditand­o em tudo / Que o amor / Mentindo sempre diz / Eu vou vivendo assim feliz / Na ilusão de ser feliz”.

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