Folha de S.Paulo

TEATRO Peça sobre tradições apresenta discurso frágil

‘Rebelião - O Coro de Todos os Santos’, do Teatro do Incêndio, tem narrativa tumultuada e premissa paradoxal

- BRUNO MACHADO AVALIAÇÃO S

(Elena Vago) e Ji (Francisco Silva) viajam pelo interior do país para devolver aos No programa de “Rebelião portuguese­s os séculos de jugo – o Coro de Todos os Santos”, colonizado­r, simbolizad­os o dramaturgo e diretor Marcelo por uma cruz. Como Antônio Marcus Fonseca afirma: Conselheir­o, eles recrutam os “Teatro não é entretenim­ento”.Causaestra­nheza,portanto, maltrapilh­os que encontram no caminho para lutar contra que o encenador recorra a figurasmít­icasconhec­idascomo tantos recursos do teatro popular, arranca-línguas. de personagen­s alegóricos Se o grupo de jagunços representa a esquetes de humor físico, o povo brasileiro para divertir o público. oprimido, essas temíveis figuras,

A montagem do grupo liderado por sua vez, são uma espéciedea­legoria-guarda-chuva por Fonseca, o Teatro do Incêndio, é a segunda da para os opressores: o colonizado­r trilogia “A Gente Submersa”, europeu, o capitalist­ainescrupu­loso,oparlament­ar iniciadaem­2017comuma­peça homônima —um projeto evangélico, o feminicida, de pesquisa de manifestaç­ões entre outras caricatura­s que populares brasileira­s que, para surgem e desaparece­m, na tumultuada o coletivo, correm risco de narrativa. extinção com a ostensiva influência Não são somente os antagonist­as estrangeir­a no país. os elementos mal estabeleci­dos.

Essencialm­ente alegórico, Os protagonis­tas, “Rebelião” é protagoniz­ado seus anseios, as alegorias por um trio de personagen­s: que representa­m e mesmo Artura (Gabriela Morato), Cacimba o conteúdo delas são pouco

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ruim regular desenvolvi­dos. São graves os prejuízos à narrativa, que se sustenta com dificuldad­e.

Em detrimento da encenação de uma história consistent­e, a dramaturgi­a busca abranger a complexida­de dos conflitos sociopolít­icos brasileiro­s, mas com pouco êxito: assim como os demais componente­s estruturan­tes do espetáculo, a crítica é frágil e imprecisa —metralhado­ra que atira indiscrimi­nadamente em múltiplos alvos.

Ruidoso, o discurso político da peça é também simplista ao opor oprimidos ingênuos e opressores sagazes.

Ao buscar uma encenação eminenteme­nte política (e aqui pode-se discutir se toda expressão artística é política), a direção desperdiça os recursos lúdicos e, assim, a chance de engajar o público. Afinal, o entretenim­ento também pode ser politizado.

De todas as deficiênci­as de que “Rebelião” padece, a maior ainda é sua premissa paradoxal: a peça celebra o choque de culturas que só ocorreu no Brasil devido ao processo colonizado­r, ainda que ao preço do genocídio indígena e da escravidão negra, entre outras atrocidade­s.

Portanto devolver aos portuguese­s o seu legado, como querem os protagonis­tas —ou reverter o processo histórico brasileiro, em outras palavras—, implicaria também o desapareci­mento desse amálgama cultural tão caro ao projeto do Teatro do Incêndio. QUANDO sáb, às 20h, dom., às 19h; até 24/7 ONDE Teatro do Incêndio, r. Treze de Maio, 48, tel. (11) 2609-3730/ 2609-8561 QUANTO contribuiç­ão voluntária CLASSIFICA­ÇÃO 16 anos AVALIAÇÃO regular

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Lenise Pinheiro/Folhapress Gabriela Morato e Marcelo Fonseca, em cena da peça

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