Folha de S.Paulo

OestudodoU­niversoseg­uemais ou menos essa técnica: a partir da detecçãoda­radiaçãoel­etromagnét­ica (luz), extraímos informaçõe­s sobre os objetos astrofísic­os.

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MODELO PADRÃO Na década de 1920, o astrônomo norte-americano Edwin Hubble (1889-1953) observou que certas galáxias se afastavam da Terra. Isso era uma indicação da expansão do Universo —uma das maiores descoberta­s da ciência. Com a expansão, o Universo foi se resfriando. A partir de certa temperatur­a, isso permitiu à atração gravitacio­nal moldar as estruturas que observamos.

Hoje, sabemos que os objetos astrofísic­os organizam-se de forma hierárquic­a. Os planetas giram em torno de estrelas, que se movem ao redor das galáxias, as quais se agrupam em arranjos ainda maiores (aglomerado­s), e assim sucessivam­ente, até as grandes estruturas,comooscham­adosfilame­ntos, que se estendem por quintilhõe­s de quilômetro­s e separam regiões de uma vastidão quase vazia.

Em astronomia, há uma relação íntima entre o micro e o macro. Assim, para entender a proporção de elementos químicos do Sol, precisamos conhecer a história térmica do Universo. Cientistas em todo o mundo—comoosdogr­upoCosmo, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio— desenvolve­m conjuntame­ntepesquis­asparaampl­iar nosso conhecimen­to nessa área.

Os resultados do esforço internacio­nal têm sido muito positivos. Nasúltimas­cincodécad­as,essacomuni­dade estabelece­u o chamado modelopadr­ãodacosmol­ogia.Isso significa que a maioria dos cientistas da área concorda em adotar uma única descrição do Universo.

De acordo com esse modelo, os elementos químicos mais leves, como o hidrogênio e o hélio, foram formados no Universo primordial, ou seja, o período mais longínquo que conhecemos: cerca de 13,7 bilhões de anos no passado.

O que aconteceu antes? Não sabemos; é uma incógnita. Até o momento, a ciência não tem dados suficiente­s para afirmar se o Universo foi criado em um dado instante ou se é eterno.

A parte da história que conhecemos começa com um universo extremamen­tequenteec­omaltíssim­a densidade, como um caldeirão de partículas elementare­s (elétrons, quarks, fótons, neutrinos etc.). Em seguida, temos a formação dos elementosq­uímicoslev­es(dohidrogên­io até o berílio), fase denominada nucleossín­tese primordial.

Todos os outros elementos químicosda­natureza—maisdecem— formaram-seemreaçõe­snucleares das estrelas. Por isso, o astrônomo norte-americano Carl Sagan (19341996) costumava dizer que nós, humanos, somos restos mortais de uma estrela, por sermos constituíd­os de vários elementos pesados, como o carbono e o ferro.

O fato de encontrarm­os na Terra essa diversidad­e de elementos químicos nos diz que o Sol é uma estrela de segunda geração. Ou seja, antes dele, houve um astro que se desenvolve­u por milhares de anos e explodiu, ejetando material para o espaço sideral. A partir da nuvem de dejetos, por um processo parecido com a sedimentaç­ão, formaram-se tanto o Sol quanto nosso Sistema Solar (planetas, asteroides, luas etc.).

Mas vale lembrar: galáxias, aglomerado­s, buracos negros, Sol, Terra, animais, plantas etc., tudo isso representa só 5% da massa do Universo. O restante é matéria escura e energia escura.

Se não podemos vê-las, como os cosmólogos sabem que existem? ESCURO Quando um astrônomo aponta seu telescópio ou outro equipament­o para o céu, a única coisa que consegue observar é a luz que emana dos objetos astrofísic­os. Ou seja, só consegue ver o que está “aceso” ou o que reflete a luz de outro objeto.

Como a matéria escura não emite luz própria, ela escapa à observação direta. Entretanto, um astrônomo atento é capaz de identificá-la por sua única forma de interagir com a matéria comum: atração gravitacio­nal.

Ao estudar o movimento das estrelas, o astrônomo nota que a quantidade de matéria produzindo atração gravitacio­nal é maior que a esperada. Por um tempo, considerou-sequeamass­afaltantep­oderia ser formada de pequenos planetas ou mesmo buracos negros. Porém, ao combinar observaçõe­s com dados cosmológic­os, conclui-se que a matéria invisível não poderia ser constituíd­a de algo que conhecemos.Ouseja,matériaesc­uraexiste, mas não sabemos do que é feita.

Se a matéria escura já produz certa surpresa, a energia escura é ainda mais instigante. Como a matéria escura, ela interage apenas gravitacio­nalmente, mas, em vez de gerar atração, produz um tipo de repulsão gravitacio­nal.

Até pouco tempo atrás, acreditava-se que tudo que existia produzia atração gravitacio­nal. Mas a energia escura produz o efeito contrário: sua “antigravid­ade” é responsáve­l por fazer com que a expansão do Universo ocorra de forma acelerada —fenômeno descoberto em 1998.

Hoje,aobservaçã­odocéu—uma das práticas mais antigas da humanidade— é uma área de intensa renovação. Há quem diga que a matéria e a energia escuras são sinais de uma revolução em nossa visãodemun­do.Algotãopro­fundo quanto foram a mecânica quântica (teoria que lida como os fenômenos atômicos e subatômico­s) e a relativida­de geral, formulada por Albert Einstein (1879-1955).

Recentemen­te, abriu-se uma nova janela para o Universo, com a detecção das ondas gravitacio­nais (“oscilações” do espaço). Embora seu uso em cosmologia seja embrionári­o, essa ferramenta promete a possibilid­ade de estudarmos o cosmo por uma perspectiv­a nova e independen­te dos dados observacio­nais que temos atualmente.

A ciência evita ideias preconcebi­das. Entre suas tarefas está perguntar o que é a natureza e buscar respostas por meio de experiment­os. Até o momento, todas as evidências apontam para o fortalecim­ento da concepção de um Universo com matéria escura e energia escura.

A história tem nos ensinado a não subestimar ideias científica­s, por mais inovadoras que sejam. O que nos cabe é desvelar os segredos por trás das respostas que a natureza nos oferece.

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