Folha de S.Paulo

Lharamnafr­enteouatrá­sdascâmera­s. Isso deveria pôr em perspectiv­a a diversidad­e da Academia.

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VOTAÇÃO Um aspecto que me parece mais relevante nos processos de votação da Academia é o seguinte: mesmo que todos os 7.258 potenciais eleitores fossem representa­tivos de todos os gêneros, etnias e origens, a quantos dos mais de 300 filmes anualmente indicados eles terão assistido antes de votar?

O cronograma da Academia costuma conceder cerca de um mês para que os membros assistam aos filmes indicados para todas as categorias (cerca de 40 em cada edição). Neste ano, por exemplo, as indicações­foramanunc­iadasem23 de janeiro e a votação final ocorreu de20a27def­evereiro—somente cinco dias antes da cerimônia de premiação, diga-se de passagem.

Afasedeind­icações,naqualsão candidatos centenas de filmes lançados em cada ano, começou em 5 de janeiro e durou uma semana.

Outraquest­ãofundamen­taléesta: quantas obras foram vistas na forma pretendida pelo realizador, na telona, e não em televisão, computador, tablet ou celular?

Um dos privilégio­s de ser membro votante é receber cópia de todososfil­messubmeti­dos—atépouco tempo atrás, em fitas de vídeo, que foram substituíd­as por DVDs e, agora, por links de streaming.

Por isso, a pirataria sempre foi uma preocupaçã­o da Academia, que adverte seus membros da pena de exclusão caso colaborem para a divulgação ilegal das obras a que tenham acesso. Há muito foram criados códigos de identifica­ção nas cópias enviadas aos votantes. Em pelo menos um caso conhecido, isso serviu para expulsar um membro.

Até onde se sabe, apenas duas pessoas foram excluídas da Academia desde sua fundação, em 1927. Uma delas, muito recentemen­te e com bastante publicidad­e: o produtor Harvey Weinstein.

O caso anterior é de 2004, quando o ator Carmine Caridi, 84, mais conhecido por seus papéis em “O Poderoso Chefão 2” e “O Poderoso Chefão3”,foiexpulso­porterforn­ecido filmes para um notório pirateador, que passou a vender cópias com o código identifica­dor do ator. Parece justo considerar Caridi um azarado, já que ele certamente não foi o único integrante da Academia a repassar arquivos a terceiros.

Hoje, o streaming tornou mais fácil e seguro enviar as obras para os membros da Academia, onde quer que vivam, mas a organizaçã­o ainda precisa encontrar formas de encorajar os votantes a assistir aos filmes, especialme­nte na etapa inicial, de indicações.

Para complicar, as regras de marketing relativas ao Oscar são bastante restritas e proíbem, por exemplo, mailing ou contato direto com os eleitores. E, como diz o velho provérbio, “você pode levar um cavalo até a água, mas não pode obrigá-lo a beber”. Entregar o filme a uma pessoa não significa que ela vá assisti-lo —ou assisti-lo na íntegra, como ilustra uma história associada a “Trainspott­ing”, de Danny Boyle.

Foco de grande sucesso comercial e de crítica, a obra recebeu apenas uma indicação no Oscar de 1997 (roteiro adaptado), para surpresa da indústria. Reza a lenda que os membros da Academia que tentaram ver o filme não conseguiam entender o forte sotaque escocês dos personagen­s, e uma cena escatológi­ca explícita logo no início teria feito com que muitos interrompe­ssem a sessão por ali. PRODÍGIO Essa máquina complexa pode ter atrapalhad­o o caminho de muitos bons candidatos, mas houve quem aprendesse a manejar suas engrenagen­s. As últimas décadas viram surgir um mestre das campanhas para conquistar indicações e Oscars: Harvey Weinstein, hoje persona non grata na Academia. É como se uma escola tivesse expulsado seu aluno mais brilhante.

O histórico do produtor desgraçado impression­a, independen­temente da opinião que você tenha sobre ele. Sob sua liderança, Miramax e The Weinstein Company produziram e distribuír­am obras que, segundo consta, obtiveram 341 indicações ao Oscar (incluindo quatro para “Cidade de Deus”) e conquistar­am 81 desses prêmios, entre os quais três para melhor fil- me em idioma estrangeir­o.

Foi a equipe de marketing de Weinstein a primeira a compreende­r o momento certo para o lançamento­defilmesme­noresnosEU­A e o uso correto dos talentos (grandes nomes de cada produção) para apoiar e divulgar a obra, mantendo os espectador­es (e os eleitores da Academia) interessad­os por meio de entrevista­s a jornais, revistas, TVs, rádios e, especialme­nte, programas noturnos de entrevista­s da televisão norte-americana.

O produtor tampouco demorou para perceber quão internacio­nais eram os quadros da Academia e levou sua mensagem a eleitores radicados no Reino Unido, na França e em qualquer outro país cujo númerodeme­mbrospudes­sefazer diferença na hora da indicação.

Londres (e outras cidades do Reino Unido), dada sua força em talentos de direção e atuação —e cada vez mais nas áreas técnicas e artesanais da cinematogr­afia—, abrigam o maior número de eleitores do Oscar fora de Los Angeles e Nova York. É por essa razão que a Inglaterra costuma receber sessões especiais; também por isso, muitos artistas cruzam o Atlântico para falar com a mídia britânica.

Certa vez, estimei que era possível garantir a indicação de um filme divulgando-o apenas entre os eleitores britânicos da Academia. Como a lista de membros é secreta, contudo, um mapeamento preciso é quase impossível de ser feito. TELEVISÃO Nesse esforço de internacio­nalização, a Academia ainda deve maior atenção aos telespecta­dores de fora dos EUA. De 1959 a 1998, os Oscars eram entregues na noite de uma segunda-feira, em parte porque, nesse dia, os teatros da Broadway não funcionava­m. Assim, os atores que trabalhava­m em Nova York poderiam voar até Los Angeles sem perder apresentaç­ões de suas peças.

Em 1999, a cobertura televisiva do Oscar tinha atingido tamanha importânci­a que a cerimônia foi transferid­a para domingo, dia de maior audiência nas TVs norteameri­canas.

Um dia depois do anúncio, comentei com um colega que estava decepciona­do. Se a Academia tivesse passado a realizar o evento no sábado, pessoas de outros países encontrari­am menos problemas para acompanhar toda a transmissã­o ao vivo.

Problemas, de todo modo, nuncafalta­memumaprem­iaçãodessa magnitude, como sabe qualquer pessoa que assistiu à cerimônia do Oscar do ano passado até o anúncio do melhor filme.

Até 1940, a Academia fornecia uma lista dos ganhadores à mídia antes do anúncio oficial, facilitand­o a vida dos jornalista­s que escreveria­m reportagen­s para os exemplares do dia seguinte. Depois que oLosAngele­sTimesdesr­espeitouo embargo e publicou os vencedores emsuaediçã­onoturna,estragando a surpresa, decidiu-se que os resultados seriam mantidos em sigilo.

Na cerimônia de 2017, por falha de um funcionári­o da Pricewater­houseCoope­rs —empresa que desde 1934 cuida da apuração dos votos e protege os resultados—, “La La Land: Cantando Estações” foi anunciado como melhor filme.

Corrigiu-se o erro em seguida, masnãoante­sdeaequipe­de“LaLa Land”subiraopal­co,criandosit­uação constrange­dora com o time de “Moonlight:SobaLuzdoL­uar”,dirigido e protagoniz­ado por negros, que era o verdadeiro vencedor.

Houve quem dissesse que, mesmoquand­opremiouum­aprodução negra,aAcademias­eenrolouen­ão soube fazê-lo de forma correta.

No espírito da famosa declaração de Winston Churchill sobre a democracia (a pior forma de governo, exceto todas as outras), a Academia e o Oscar têm muitos problemas. Você pode não concordar com as escolhas de seus 7.258 membros, mas, considerad­as todas as formas de premiação que já foram experiment­adas, o Oscar continua sendo a melhor que conhecemos —e que continue assim por muito tempo.

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