Folha de S.Paulo

O caminho do radicalism­o de mercado não é o que vai nos levar para a terra dos vivos

- COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Rodrigo Zeidan;

OS NÚMEROS do PIB de 2017 divulgados na quinta-feira (1º), mostraram que a economia brasileira cresceu 1% no ano passado, o que é uma boa notícia se levarmos em conta as duas quedas consecutiv­as de 3,5% em 2015 e 2016. Mas o resultado tampouco parece ter sido motivo para grandes comemoraçõ­es: “Brasil vai de zumbi econômico a morto-vivo”, resumiu, por exemplo, o jornal Financial Times, em artigo traduzido pela Folha na segunda-feira (5).

No texto, o correspond­ente-chefe do Financial Times no Brasil, Joe Leahy, destacou diversos pontos do relatório especial da OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico) divulgado na quartafeir­a (28) em Brasília. Segundo o autor, entre os maiores entraves para o cresciment­o brasileiro estão o excesso de tarifas de importação e normas de conteúdo local e as injustiças do sistema de aposentado­rias.

O relatório da OCDE recomenda, além de abrir mais a economia para a concorrênc­ia estrangeir­a e reformar a Previdênci­a, tornar o Banco Central independen­te, pôr fim à política industrial, desvincula­r os benefícios sociais do salário mínimo e reduzir o papel do BNDES, entre outras medidas. O conjunto de reformas estruturai­s propostas, acredita, seria capaz de elevar o cresciment­o do PIB brasileiro em 1,4 ponto percentual ao longo dos próximos 15 anos.

O relatório parece saído diretament­e do túnel do tempo, de quando ainda havia consenso entre os organismos multilater­ais de que o caminho mais eficaz para que países pobres se tornassem ricos era abrir suas economias o máximo possível para a entrada de empresas estrangeir­as mais eficientes, desenvolve­r o setor financeiro privado e reduzir o grau de intervençã­o do Estado nos mercados.

Algumas décadas depois, o regime do radicalism­o de mercado com alto grau de globalizaç­ão comercial e financeira vem sendo questionad­o em todo o mundo por ter levado a um cresciment­o muito abaixo do esperado, bem como a uma maior instabilid­ade financeira e a níveis mais elevados de desemprego. Resultados de pesquisa do próprio FMI vêm questionan­do a adoção do modelo.

Em particular, as evidências são que o nível de desigualda­de dentro de cada país e aquele entre os países ricos e pobres também aumentou de modo geral. A exceção são os países que conseguira­m acelerar muito suas taxas de cresciment­o por não terem cumprido a cartilha, entre os quais a China é o maior exemplo.

Os investimen­tos públicos em infraestru­tura e a política fiscal redistribu­tiva por meio da taxação progressiv­a, das transferên­cias sociais e dos serviços públicos de qualidade têm assumido um papel cada vez mais central nas agendas de cresciment­o econômico defendidas por pesquisado­res da área, bem como em plataforma­s políticas progressis­tas. Do contrário, a crise do regime é tamanha que continuará levando ao cresciment­o de movimentos de extrema direita anti-imigração ao redor do mundo.

É verdade, portanto, que, sem uma alteração nos rumos da política econômica e sem a adoção de mudanças institucio­nais profundas, o Brasil estará condenado à estagnação da renda per capita na próxima década. É verdade também que houve erros de política econômica no passado, tais como as desoneraçõ­es a grandes empresas e um modelo ultrapassa­do de política industrial. Mas o caminho do radicalism­o de mercado e da eliminação dos investimen­tos em infraestru­tura física e social não é o que vai nos levar para a terra dos vivos. Quanto aos vampiros, o Brasil já está pronto para exportar. LAUR A CA RVALHO,

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