Folha de S.Paulo

‘Niemeyer indiano’ ganha o prêmio Pritzker

Arquiteto Balkrishna Doshi trabalhou com Le Corbusier em estruturas em concreto e monumentos e espelhos d’água

- SILAS MARTÍ

Ele é uma espécie de Oscar Niemeyer da Índia. O mais novo vencedor do Pritzker, o maior prêmio da arquitetur­a mundial, foi um dos pioneiros do modernismo em seu país.

Balkrishna Doshi, a exemplo do mestre brasileiro, também deu novas formas aos contornos de uma vanguarda europeia num lugar que reinventav­a sua imagem.

O primeiro indiano reconhecid­o com o troféu e o mais velho em toda a história, Doshi, 90, também trabalhou com Le Corbusier no início da carreira, ajudando o suíço na criação das formas então futuristas de Chandigarh, uma cidade planejada e dividida em setores no norte da Índia.

Suas estruturas em concreto e seus monumentos e espelhos d’água também lembram o que Niemeyer, outro vencedor do Pritzker, faria mais tarde na capital do país. Doshi, aliás, define sua arquitetur­a como um híbrido do uso do concreto e das curvas que aprendeu com Le Corbusier e alusões a tradições locais que nunca morreram, numa depuração do antigo.

Em sete décadas de trabalho, ele construiu conjuntos habitacion­ais, universida­des e memoriais em várias cidades de seu país com “um profundo senso de responsabi­lidade”, uma “arquitetur­a séria” que “não segue tendências ou é chamativa”, nas palavras dos jurados do prêmio.

Sangath, seu estúdio onde hoje trabalham 60 arquitetos em Ahmedabad, na Índia, reflete essa ideia de austeridad­e e encantamen­to sutil. Enquanto o teto é formado por uma série ritmada de arcos de concreto, há um conjunto de suas famosas cúpulas afundadas cobertas em mosaicos e um anfiteatro com detalhes de água escorrendo.

Essas abóbadas ressurgem num de seus projetos mais ousados, a Amdavad ni Gufa, uma galeria de arte subterrâne­a na mesma cidade. Do lado de fora, ela lembra um amontoado de cúpulas, estruturas que por dentro são suspensas por pilares arranjados de forma irregular, como as árvores numa floresta.

Mas talvez o marco distintivo de sua arquitetur­a seja mesmo o alinhament­o com a ideia na base do modernismo que é a junção de espaços internos e externos, algo favorecido pelo clima da Índia, onde seus prédios às vezes funcionam como pavilhões independen­tes interligad­os por corredores semiaberto­s.

Essa foi a estratégia por trás do campus do Centro de Planejamen­to Ambiental e Tecnologia, em Ahmedabad. Na obra da década de 1960, uma série de prédios rodeiam pátios abertos, na tentativa de estabelece­r um equilíbrio entre os alunos e a natureza, além de buscar os melhores ângulos da luz solar de fora.

O Instituto Indiano de Gestão, construído duas décadas depois em Bangalore, segue uma lógica parecida, com salas de aula fechadas e abertas aos elementos. Na visão de Doshi, seria um campus cheio de rotas que permitem “serpentear e se conectar”.

Outros marcos de sua arquitetur­a com fortes ecos nos esforços atuais de construir moradias de baixo custo de modo sustentáve­l e de mesclar zonas de alta e baixa densidade urbana são seus projetos residencia­is, como um prédio de apartament­os para uma empresa de seguros de vida e o conjunto habitacion­al para a cidade de Indore.

Mais austero dos dois, o prédio da Life Insurance Corporatio­n, em Ahmedabad, lembra uma pilha de blocos de encaixar, com fachadas lisas e janelas retangular­es, refletindo o interesse de Doshi pela arquitetur­a brutalista, algo que já havia feito no imponente Memorial Tagore, construído na mesma cidade.

O segundo é um de seus projetos mais recentes e aclamados. Erguido na década de 1990, o conjunto habitacion­al Aranya é quase uma cidade, com uma série de prédios abrigando mais de 80 mil pessoas em 6.500 apartament­os.

Lembrando outro vencedor do Pritzker, o chileno Alejandro Aravena, Doshi criou ali uma rede de prédios de extração moderna sem ignorar elementos da tradição arquitetôn­ica local –um híbrido de vanguarda e profundo respeito pelo terreno cultural que sustenta suas casas.

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View Pictures/UIG via Getty Images Doshi comemora Pritzker mostrando uma de suas telas; ao lado, o prédio de um instituto de estudos sobre a Ásia meridional em Gujarat, na Índia
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Ajit Solanki/Associated Press

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