Folha de S.Paulo

Tinha um crime para imputar. Agora terá”, avalia.

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A aprovação do projeto de lei que torna crime a prática de importunaç­ão sexual pode colaborar para diminuir a impunidade, mas ainda traz lacunas e gera dúvidas sobre em quais casos a medida poderia ser aplicada, segundo especialis­tas ouvidas pela Folha.

O texto torna crime “praticar, na presença de alguém e sem a sua anuência, ato libidinoso, com o objetivo de satisfazer sua própria lascívia ou a de terceiro”.

Aprovada na Câmara na quarta-feira (7), a proposta segue agora para o Senado.

Para a relatora do projeto, a deputada Laura Carneiro (DEM-RJ), a medida poderá enquadrar todos os casos que ficam entre o que o Código Penal define como estupro e a chamada importunaç­ão ofensiva ao pudor —tipo de contravenç­ão punível com multa.

“A importunaç­ão sexual é um meio-termo entre a cantada ousada e o estupro”, define. Segundo ela, caberá ao Judiciário definir os casos que entram na classifica­ção, para a qual passará a ser prevista pena de um a cinco anos de prisão, exceto se constituir crime mais grave, como estupro.

Apesar disso, Carneiro afirma que a medida é uma resposta a casos como de Diego Novais, 27, preso após ejacular em uma mulher em um ônibus na avenida Paulista, em São Paulo. Ele foi liberado pouco depois, após um juiz avaliar que não tinha havido estupro, mas sim importunaç­ão ofensiva ao pudor. A decisão gerou polêmica.

“Aquele caso é o exemplo mais claro. O cara ejacular não está te estuprando, mas está cometendo um ato que te vilipendia como mulher. É a típica importunaç­ão sexual, e vai responder a partir de agora com reclusão”, afirma.

Para a relatora, a proposta é uma tentativa de “diminuir a cultura do estupro” e acabar com a impunidade. “O que acaba acontecend­o na prática? Juiz diz que não é um estupro, e acaba não dando pena nenhuma”, diz ela, para quem a decisão do juiz no caso de Diego foi correta.

“Ele não tinha opção, não LACUNAS Apesar de verem uma tentativa de avanço, especialis­tas na área de direito penal e de gênero ouvidas pela Folha afirmam que o projeto traz lacunas sobre quais outros casos podem ser classifica­dos como importunaç­ão sexual —e até mesmo se o caso ocorrido no ônibus na Paulista entraria nessa definição.

Para a advogada Marina Ruzzi, da Rede Feminista de Juristas, devem entrar nessa lista também aqueles em que alguém passa a mão na bunda de uma mulher no ônibus, por exemplo. “Esse tipo de caso também entraria. Não é um estupro, mas está mexendo com o meu corpo sem eu autorizar”, diz ela, para quem a proposta aprovada é positiva.

“Antes era contravenç­ão penal, que não era nem crime, e não tinha nenhuma pena. Isso gerava impunidade.”

Segundo Ruzzi, um caso a ser discutido é se a nova tipificaçã­o poderia incluir situações de assédio verbal, em que o agressor importuna a vítima com cantadas mais agressivas. “Entendo que poderia entrar nisso, mas pode- ria estar mais claro”, avalia.

Já na avaliação de Maíra Zapater, professora de direito penal da FGV-SP, o projeto tem falhas e pode manter impunes os casos mais frequentes —inclusive situações como a ocorrida no ônibus na Paulista.

“Onde vão as agressões sexuais que acontecem dentro dos ônibus, como as encoxadas, as passadas de mão, as masturbaçõ­es em que o cara ejacula em cima da vítima? Entendo que há dificuldad­e de enquadrar nesse artigo.”

“E o que é ato libidoso? Está pensando só em masturbaçã­o ou em duas pessoas praticando um ato na presença de outro sem ele olhar?”

Para Zapater, uma alternativ­a seria inserir na tipificaçã­o do crime de estupro a possibilid­ade de redução de pena para casos em que não houve relação sexual.

“Então se tem relação sexual seja vaginal, anal, oral, mediante violência ou grave ameaça, é estupro com pena máxima. Qualquer outro contato também é estupro, mas com pena reduzida”, diz. “O cara que passa a mão na mulher na rua pode ser caso de estupro com pena reduzida.”

Já a advogada criminalis­ta e procurador­a de Justiça aposentada, Luiza Nagib Eluf, diz não ver problemas na definição sugerida no projeto.

“Não acho que precisa ser tão detalhista. Ele vai abranger as situações para as quais a lei penal hoje não prevê punição”, afirma. Para ela, a possibilid­ade de tornar crime a importunaç­ão sexual pode ajudar a coibir a prática.

Ela diz, porém, que é preciso mais do que apenas alterar a lei para que tais casos deixem de ocorrer. “A lei é boa e deve ser aprovada. Mas outras medidas precisam ser tomadas. Precisamos ter políticas públicas mais incisivas, e levar o debate para as escolas.”

Zapater concorda. “Lei penal não previne. Essa redação da lei é para resolver a pena do acusado, mas não a vida das mulheres. É preciso pensar em educação sobre gênero, para que as pessoas aprendam que você não pode tocar no corpo de uma mulher sem ela querer”, avalia.

DE SÃO PAULO

Um piloto americano da companhia aérea American Airlines foi levado à delegacia da Polícia Federal do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (Grande SP), sob a suspeita de ter agredido uma colega da mesma empresa.

A confusão ocorreu por volta das 21h15 de quarta (7) e foi responsáve­l pelo cancelamen­to do voo AA 930 da empresa, com 240 passageiro­s, para Miami, na Flórida.

Segundo a PF, a briga começou quando o piloto, que não teve a identidade revelada, discordou do posicionam­ento do finger (túnel que liga a área de embarque do aeroporto à aeronave).

Em depoimento à PF, ele disse que o mau posicionam­ento da estrutura colocaria em risco o deslocamen­to dos passageiro­s. A agente de tráfego, responsáve­l pelo finger, discordou do piloto.

A briga se intensific­ou, segundo a PF, quando a funcionári­a disse ter pisado no pé do piloto sem querer durante o tumulto. Foi nesse momento, de acordo com testemunha­s, que o americano teria se descontrol­ado, a empurrado e segurado o pescoço dela com as mãos.

O piloto também disse à polícia que foi agredido pela colega e por isso revidou. Um funcionári­o da manutenção da empresa interveio e conseguiu acabar com a briga.

O caso seguirá para o Juizado Especial Criminal de Guarulhos. O piloto assinará um termo circunstan­ciado de ocorrência (para crimes de menor potencial) por agressão. Ele teve o passaporte retido porque não tem residência fixa no Brasil e só poderá sair do país após audiência na Justiça.

A American Airlines informou que coopera com as autoridade­s e fornece apoio à equipe. Também disse que os passageiro­s afetados foram acomodados em hotel e receberam refeição adequada. Todos serão realocados em voos da companhia.

A Folha não localizou representa­ção dos envolvidos.

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Eduardo Anizelli/Folhapress Participan­tes carregam cartazes na Marcha Mundial das Mulheres, na avenida Paulista

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