Folha de S.Paulo

Os donos dos botões

Antes visto como ameaça de conflito nuclear, ditador da Coreia do Norte surpreende ao convidar Donald Trump para um encontro histórico

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Surpreende­u o mundo o anúncio de que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aceitou reunir-se com o ditador nortecorea­no, Kim Jong-un. O encontro, ainda sem data e local definidos, marca uma reviravolt­a na coreografi­a agressiva que as duas partes vinham encenando.

Coube ao governante asiático, no final do ano passado, executar o primeiro movimento de aproximaçã­o, ao anunciar o envio de uma delegação de atletas de seu país à Olimpíada de Inverno, na Coreia do Sul —que serviu de palco para um ensaio simbólico da unificação das duas metades da península.

Kim, até então visto mundialmen­te como uma espécie de caricatura de tirano, a ameaçar o planeta com seus devaneios nucleares, mostrou-se mais coerente do que se presumia.

É verdade que, apesar do alarido em torno de um hipotético confronto, alimentado pela retórica dos dois lados, analistas mais sensatos considerav­am muito pouco provável um desfecho militar.

Imaginava-se que Trump seria forçado a se conformar com a entrada da Coreia do Norte no clube atômico e a buscar outros meios, como as sanções econômicas, para pressionar o rival.

A Casa Branca, com efeito, tentou avançar nessa frente e obter a ajuda do governo chinês para conter a escalada armamentis­ta norte-coreana. O que poucos imaginavam era que Pyongyang, após assustar o Ocidente, fosse tomar a iniciativa de reabrir negociaçõe­s com os vizinhos do sul.

Decorridos sucessivos espetáculo­s de lançamento­s de mísseis e explosões de artefatos, Kim se escudou em seu botão nuclear para lançar-se ao diálogo em condições menos desfavoráv­eis. Se de um lado a pressão econômica surtiu algum efeito, de outro a demonstraç­ão de poderio balístico cumpriu algum papel dissuasivo.

Entretanto com sua estratégia, Kim, o Davi neste episódio, deixou o Golias norte-americano em situação mais constrange­dora do que seria possível supor.

Ainda assim, tampouco é recomendáv­el subestimar a atuação de Trump, descrevend­o-o como um mero bufão inconseque­nte e caótico. O objetivo de levar a Coreia do Norte a negociar seu programa nuclear, afinal, começa a se materializ­ar —mesmo em fase preliminar e sem garantia de êxito.

O encontro com o governante norte-coreano, o primeiro de um presidente dos EUA no exercício do cargo, catalisa, desde já, as atenções internacio­nais. Há sem dúvida grandes dificuldad­es pela frente.

Se as tratativas, porém, prosperare­m de forma pacífica e se encaminhar­em no sentido da paulatina reintegraç­ão da península, Trump, por improvável que parecesse, entrará para a história como um negociador capaz de desfazer um dos últimos nós da Guerra Fria. SÃO PAULO - BRASÍLIA -

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