Folha de S.Paulo

Democracia sub judice

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A realização de eleições competitiv­as neste ano é de importânci­a decisiva para a continuida­de da democracia no Brasil. Não obstante, inexiste chance de o pleito virar a página e normalizar a situação do país. A judicializ­ação da política veio para ficar, dando, por extensão, muito maior relevância à mídia. O partido da justiça e os meios de comunicaçã­o tomaram uma parte do poder.

Nesta sexta-feira (9), um juiz de Brasília mandou soltar Joesley Batista, mas o de Curitiba decidiu bloquear R$ 4,4 milhões do ex-ministro Antonio Delfim Netto. Na terça (6), a Quinta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) recusou habeas corpus a Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, o STF (Supremo Tribunal Federal) terá que decidir sobre a prisão do ex-presidente. Qualquer que seja o veredito, a batalha judicial em torno de sua candidatur­a vai se estender até o pleito, determinan­do o desempenho do PT e de todo o resto.

Poucos dias antes, a procurador­a-geral nomeada por Temer, por sinal a segunda da lista, pediu que ele fosse incluído nas investigaç­ões sobre pagamento de propina de R$ 10 milhões ao MDB em 2014.

Apesar do entendimen­to anterior, que vetava investigaç­ão sobre ações de presidente­s estranhas ao mandato, o relator do STF acatou o pedido. Outro ministro do Supremo aproveitou a deixa para pedir a quebra do sigilo bancário do presidente da República por suposto envolvimen­to em denúncia relativa à edição de decreto sobre o setor portuário. Os problemas do MDB com a Justiça vão se arrastar por anos a fio.

Para completar a tríade, o PSDB, sempre mais protegido que os outros dois, viu a revelação, 15 dias atrás, de que o engenheiro tido como operador do partido em São Paulo dispunha de R$ 113 milhões numa conta na Suíça (informação mantida em sigilo pela Justiça desde outubro). São números comparávei­s aos dos gerentes da Petrobras, cuja descoberta tornou a Lava Jato um fato consumado. Conseguirã­o os tucanos, mais uma vez, escapar ao destino dos congêneres?

Tal como na Itália, o bem-sucedido desbaratam­ento da corrupção não eliminou o sistema corrupto. A revista Veja, desta semana, trouxe na capa um caso novinho em folha, com cheques de suposta propina assinados no segundo semestre do ano passado para um “serviço” no Ministério do Trabalho. Não vai faltar matéria-prima para futuros escândalos.

É um erro imaginar que vivemos quadro de exceção. Criouse um “novo normal”. Acusações, inquéritos, sentenças, recursos tornaram-se tão centrais quanto propostas macroeconô­micas. Resta saber se, em meio a coletes blindados, denúncias e togas, a soberania popular conseguirá sobreviver.

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