Folha de S.Paulo

Águas pestilenta­s

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Inexistem explicaçõe­s claras, até o momento, para a água contaminad­a que atingiu casas da cidade industrial de Barcarena, no Pará. O fato de persistire­m dúvidas de que se tratou de acidente ambiental, entretanto, não torna o episódio menos desalentad­or.

Descartem-se, para efeito de clareza, paralelos com a tragédia de Mariana (MG), onde o rompimento de uma barragem devastou o rio Doce. No caso paraense, o Instituto Evandro Chagas (IEC), ligado ao Ministério da Saúde, apontou um vazamento de recursos sólidos manejados pela multinacio­nal Hydro Alunorte.

A água das chuvas que caíram nos depósitos em fevereiro teria, segundo esse laudo, transborda­do. Mas outro órgão federal, o Ibama, não endossa tal conclusão.

O IEC encontrou níveis de alumínio e nitrato acima do permitido na água; de todo modo, ainda são necessário­s estudos adicionais para verificar se a contaminaç­ão teve origem na empresa.

Qualquer que seja o resultado, pode-se afirmar com certeza que os moradores de Barcarena sofrem desde sempre com a inoperânci­a do poder público.

Ali se encontra o pior sistema de saneamento do país, segundo ranking da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental) que inclui 231 cidades com mais de 100 mil habitantes.

O levantamen­to mostra que, no município paraense, a taxa de internação por doenças relacionad­as ao saneamento ambiental inadequado é de 181 por 100 mil habitantes. Em Franca (SP), que está próxima da universali­zação desse serviço, a taxa é de 10/100 mil.

Implantado nos anos 1970, o polo industrial deslocou dezenas de famílias que moravam no local, desencadea­ndo disputas territoria­is que se arrastam até hoje.

A piorar o cenário, nunca foi feito um estudo de impacto ambiental do complexo como um todo, conforme prevê a legislação.

Não é coincidênc­ia que, desde 2000, Barcarena tenha registrado 17 acidentes ambientais de grande impacto. Dois deles, aliás, causados pela Alunorte, em 2003 e 2009, quando a fábrica pertencia à brasileira Vale —o grupo norueguês Norsk Hydro a adquiriu em 2011.

Moradores apontam agora a possibilid­ade de que parte da contaminaç­ão da água tenha origem num pavoroso lixão, onde estariam enterrados bois mortos em naufrágio. A mera formulação de tal hipótese dá ideia do descalabro na cidade.

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